Azar o de Válter e o de Iara ao assistirem à chegada dos novos inquilinos da casa do lado, aonde a vê partilhar com o velho Dimas. Este fora abandonado pela mulher, Consuelo, que, como coproprietária, cuidara de subalugar a sua parte a três membros de um gangue apostados em transformarem a vida do anfitrião, e de quem à volta morava, num inferno. A tranquilidade do proletário com aspirações a tomar o elevador social - e por isso frequentava o ensino noturno - vê-se perturbada com os barulhos a desoras, que provém do quintal do lado.
A tentação para reagir está lá, mas alivia a cobardia, pensando na família por sustentar e no quanto isolado se sente na propensão para passar das intenções aos atos. É verdade que Iara insta-o a fazer alguma coisa, mas os demais vizinhos acomodam-se à situação sem saírem do conformismo.
Num último pedido de ajuda o velho pede-lhe o número do telemóvel para que peça ajuda à polícia em caso de necessidade, mas quando lhe liga nesse sentido, Válter escusa-se a responder. Por isso mesmo a morte do vizinho o afetará tanto: sabe-se corresponsável nessa inação pelo sucedido. E é esse verdadeiramente o tema do filme «Os Inquilinos» do brasileiro Sérgio Bianchi, que o situa em São Paulo: aceitando o individualismo para que o sistema o tende a empurrar, o explorado continua a ajustar-se à metáfora para ele criada por Chaplin nas primeiras cenas de «Tempos Modernos».
É na reaprendizagem da solidariedade, que está a resposta para deixarem de ser ovelhas convenientemente enclausuradas nas barreiras do redil. Para que o patrão não o ameace com despedimento, quando se humilha a pedir-lhe que o registe oficialmente como seu efetivo empregado. Ou para que os bairros não se tornem campo de batalha de delinquentes há muito dissociados do papel social, que lhes deveria ter cabido antes de enveredarem por essa falsa solução. A condenação do lúmpen continuava a justificar-se plenamente.
Felizmente – embora já se comecem a conhecer focos localizados dessas exceções -, ainda nada se assemelha entre nós aos ambientes inseguros das grandes cidades brasileiras, mexicanas ou venezuelanas, Mas só nos precaveremos de tais cenários distópicos, se impedirmos a tempo que se criem as condições propicias a torná-las possíveis. Porque se continuarmos impassíveis perante o crescimento das desigualdades, poderemos vir a ser outros Dimas demasiado frágeis para nos defendermos de ameaças, que nos extravasem. Politicamente temos todas as vantagens em evitarmos que nos transformem em passivos cordeiros encaminhados para a degola.
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