No início dos anos 90 peguei ao acaso num romance de autor até então desconhecido - «O Palácio da Lua» de Paul Auster - e a rendição foi imediata. Tão só devorado, fui à procura dos que estavam disponíveis nas livrarias e li-os, um a um, muito embora à la longue começasse a sentir algum cansaço pelo recurso aos felizes acasos, que tornavam improváveis os encontros e desencontros dos personagens.
Nos anos mais recentes falhei alguns títulos do autor, embora alguns deles estejam nas estantes cá de casa a aguardarem por melhor atenção. Na literatura norte-americana passei a preferir-lhe Philip Roth, Douglas Kennedy, James Salter e, sobretudo, Don DeLillo.
O grande espavento que percorreu os media a respeito do mais recente título de Auster - «4, 3, 2, 1» - estimulou-me o regresso ao seu imaginário, até porque constitui desafio de monta com as suas quase mil páginas. Se a leitura promete continuar a ser muito fácil de acompanhar, a maior dificuldade está em descobrir a melhor forma de agarrar no calhamaço sem os riscos de uma tendinite.
Vencidas as primeiras cem páginas já se justifica dar aqui conta do que elas me revelaram.
O início dá o tom do que se seguirá:
“Reza a lenda familiar que o avô de Ferguson partiu a pé da sua cidade natal de Minsk com cem rublos escondidos no forro do casaco, viajou para ocidente até Hamburgo, via Varsóvia e Berlim, e depois comprou passagem num navio chamado «The Empress of China», que atravessou o Atlântico sob duras tempestades de inverno e entrou no porto de Nova Iorque no primeiro dia do século XX.”
Dele pouco mais saberemos do que o seu judaísmo e a determinação para, com o corpanzil, iniciar uma dinastia de descendentes, que o lembravam como quase um desconhecido.
Archibald Isaac Ferguson - o protagonista cujo crescimento iremos depois acompanhar -, nasceu em março de 1947. O pai, Stanley, era o filho mais novo dos três daquele bielorrusso aportado à América e tornara-se num próspero comerciante de mobiliário e eletrodomésticos em Newark. A mãe, Rose, trabalhara como assistente de um fotógrafo de Manhattan até dele engravidar. Quer o pai, quer a mãe de Archie não enjeitavam a origem judaica, mas não praticavam a religião, limitando-se a cumprir os rituais profanos mais comuns nas respetivas datas comemorativas.
Entramos, então, nas várias versões da história desse clã triangular. Numa delas ele estilhaça-se em 1956, quando os tios que tinham feito sociedade com o pai, já tinham saído de cena - Arnold na Califórnia depois de ter roubado a loja familiar, Lew falecido num desastre de automóvel - e Stanley e Rose tinham passado a discutir asperamente.
Noutra versão a grande mudança na vida de Archie aconteceu em 3 de novembro de 1954, quando o pai morreu carbonizado no incêndio criminoso do «3 Brothers Home Worl», perpetrado pelos credores das dívidas de Lew, que se revelara obsessivo jogador. Stanley julgara possível evitar essa ameaça, mas enganara-se tragicamente.
Órfão, Archie instalara-se com a mãe num apartamento junto ao Central Park, decididos a virarem a página de um percurso definitivamente encerrado.
Numa terceira versão nada de mal acontecera a Stanley, dado ter-se atempadamente livrado da sociedade com os irmãos, entretanto radicados na Califórnia. Archie vive uma infância feliz, e tem como melhor amigo Noah, que será seu primo durante ano e meio, exatamente o tempo de duração do casamento da tia Mildred (mãe de Rose) com o pai dele, Dan Marx.
Estavam a viver um verão feliz numa colónia de férias, quando o pai de Noah o viera buscar a meio da estadia: o divórcio pedido a Mildred impediria de continuarem a partilharem brincadeiras e descobertas…
Ainda com oitocentas páginas por desvendar, o romance ainda não me deslumbrou, mas também não me entediou. O que já não é pouco!
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