O ciclo de cinema francês com filmes produzidos em 2008 e 2009 conclui-se com o drama de um pai de família, incapaz de conciliar os compromissos profissionais com a atenção à família. Tratando-se de um produtor de cinema, sente a empresa em risco e tenta a fuga em frente, que o levará ao desespero.
Inicialmente a vida de Grégoire parecia imaculada: oriundo de família abonada decidira dedicar-se à paixão pelos filmes independentes, financiando-os com a mitigada ambição de lhe renderem o bastante para aplicar as receitas em novos títulos passíveis de serem apresentados na cinemateca. Tenta conciliar o que tão difícil se costuma antagonizar: a arte com o lucro. E durante uns anos a sua hiperatividade e engenho em encontrar soluções, derrubam todos os problemas.
Embora nada no filme o referencie diretamente, Mia Hansen-Love fez do seu protagonista uma réplica de Humbert Balsan que, asfixiado pelas dívidas, pela recusa de novos créditos e pela traição dos que julgara amigos, suicidou-se brutalmente em 2005.
«O Pai dos Meus Filhos» aborda o amor ao cinema, a criação coletiva, o trabalho quase oculto dos que se escondem nos bastidores e se comprometem a fundo em torná-lo possível. Mas é, igualmente, um filme sobre a família aqui representada num clã radioso, constituído pela esposa e pelas filhas, que se queixam da atenção excessiva por ele dada ao telemóvel, mesmo em férias.
Quer para os colaboradores, quer para a família, Grégoire é o herói que a todos entusiasma com o entusiasmo e a capacidade de amar. Por isso todos ficarão devastados com a brutalidade do seu desaparecimento.
A realizadora é subtil na criação do melodrama: a aproximação ao desenlace é feito com pequenos sinais a prenunciarem a deriva para o abismo, que se vai anunciando aqui e acolá ao longo da narrativa. Mesmo quando ocorre há pudor em exibir o vazio suscitado pelo luto, respeitando-se a dignidade de quem vivera entre o desejo e o desespero, a força e a vulnerabilidade, a luz e a sombra.
Mia Hansen Love mostra que cada pessoa tem os seus segredos, os seus sofrimentos íntimos. Por isso o filme não acaba com a morte de Grégoire: revoltada, desapontada por saber que o pai lhe escondera a existência de um irmão nascido de pretérito casamento, vai depois compreendê-lo e agarra-lhe no testemunho para se vocacionar no mesmo sonho. Imitando a mãe, que corajosamente tomara as rédeas da empresa e da família, quando compreendera não ter outra solução.
O que mais fascina no trabalho da realizadora é a sensibilidade com que evidencia a verdadeira natureza dos personagens. Por isso em vez de um filme crepuscular sobre a morte de um homem e do seu projeto, mostra Paris como no tempo da Nouvelle Vague com a energia e estado de graça dos que lhe sucederão. Importa pois atentar no trabalho de fotografia e de iluminação com a claridade a sobrepor-se à atração da penumbra.
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