De vez em quando tenho de aqui voltar a um avantesma, que continua a assombrar uns quantos esforçados leitores, ainda não totalmente fartos de lhe atenderem aos medos sobre a sua obsessão maior: a morte.
Por dever de objetividade em relação ao que insiste em publicar também o leio, mas com desprazer, apenas para confirmar a ideia dele há muito feita desde a altura da consagração de José Saramago como Nobel da Literatura. Data de então o adjetivo «invejoso» com que, entre amigos, lhe costumamos evitar a referência ao nome.
Calaria a péssima opinião a seu respeito se não desse de caras com ele na capa de hoje no «Expresso» a propósito de uma entrevista no seu interior e onde diz este desatino sobre o seu inimigo fidalgal: “Ele tinha-me um pó. Uma inveja. Nunca percebi porquê…. Achava-se um grande escritor. Eu sempre achei aquilo uma merda.”
Para além desta infâmia ser uma reconstituição da velha história infantil do «Espelho meu, espelho meu, existe algum escritor melhor do que eu?», o que diz de Saramago é absurda difamação de um Homem com um H bem grande, incapaz de alguma vez mostrar tal despeito por quem quer que seja e com uma humildade e simpatia, que eram o exato oposto do evidenciado publicamente por tal biltre.
De Saramago, para além de lugar cativo na nossa memória não só pelo Nobel, mas também por romances tão notáveis como o são «Memorial do Convento», «Levantado do Chão», « O Evangelho segundo Jesus Cristo», «Ensaio sobre a Cegueira» ou «A Viagem de um Elefente», recordaremos o seu comportamento cívico e político praticado com desassombro e muita coragem.
Do tratante, que continua a por ele segregar bílis infecta, quais os títulos a merecerem tal evocação? «Memória de Elefante»? Talvez só esse, então, ser assinado por um jovem escritor, que muito prometia, mas cuja ridícula jactância só transformou em esterco aquilo que o mau carácter não tem deixado de transparecer na inepta prosa.
Compreende-se, porém, o esforço das direitas em tentarem-no promover: dezanove anos depois continuam sem suportar a ideia de um defensor intransigente dos desvalidos e um confesso ateu sempre apostado em denunciar a história de muitos horrores cometidos em nome dos vários deuses, ter a relevância correspondente ao seu talento. Custa-lhes demais. Por isso dão espaço ao azedume do confesso invejoso, aquele que chegou a dizer o quanto lhe custara não mostrar ao pai ter sido ele o galardoado com tal honra.
Livro após livro, ele vai sentindo o crescente desprezo dos leitores, dos críticos, dos agentes literários em relação à sua obra publicada. E deve-se roer perante a suspeita de, daqui a trinta ou quarenta anos ter caído no total anonimato e ninguém mais ter pachorra para lhe ler o que escreveu...
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