No seu romance mais recente - «4,3,2,1» - Paul Auster explora várias possibilidades do que poderá ter sido a vida de Archie Ferguson ao longo da vida. A partir de um mesmo tronco em que o sabemos filho de Stanley e de Rose, casal judeu de Newark, partirão vários ramos correspondentes a outros tantos possíveis Archies, cuja vida se alteraria em função do que iria ocorrendo com os progenitores ou com ele próprio.
Numa dessas alternativas iremos constatar-lhe a morte a 10 de agosto de 1960, quando estava na colónia de férias e decidiu sair para a rua em noite de intensa tempestade, exaltado com a maravilhosa sensação de estar vivo.
Afinal um raio atingiria o carvalho sob cuja copa se albergara e vê-se mortalmente atingido pelo ramo fulminado.
Antes que isso suceda acompanhamos-lhe os dois anos anteriores, quando se fizera editor e único autor de um jornal infantil, o «Cable Road Crusader», que iria demonstrar-lhe, pelo prisma mais doloroso, a diferença entre ser-se inteligente e demasiado inteligente.
O primeiro número é o da consagração: todos os colegas lhe compram um exemplar e os conteúdos bem humorados conquistam-lhe a admiração geral. No segundo número sente a inveja crescer à volta e alguns a escusarem-se a adquirir-lhe o exemplar.
O pior vem com a edição do terceiro número no primeiro dia de aulas do novo ano escolar: como recusara a colaboração de Michael Timmerman, o melhor atleta e aluno da sua classe, este agrediu-o violentamente e sujeitá-lo-ia a bullying nos meses seguintes. Pior ainda, como escrevera um texto crítico sobre Nixon a propósito do linchamento a que quase fora sujeito em Caracas, é chamado ao diretor e acusado de comunista.
Nesse final dos anos cinquenta as escolas norte-americanas não achavam propriamente piada a um miúdo de onze anos capaz de denunciar o comportamento imperialista do país.
Porque os pais andam demasiado ocupados com os respetivos negócios - Stanley abrira um centro de ténis, Rose mantinha o estúdio de fotografia - sofre estoicamente os suplícios a que o sujeitam. Quase a chegar às férias grandes tem uma descoberta maravilhosa ao beijar os lábios de Glória Dolan: “tudo mudou de repente, e Ferguson percebeu que estava a viver num mundo novo e nunca poria os pés no velho de novo.” (pág. 176)
Vamos sentindo o romance a focar-se não só em Archie e na respetiva família, mas sobretudo no que ia acontecendo na política norte-americana de então: quando morre, o rapaz andava entusiasmado com as primárias para as eleições de novembro desse ano e em que apostava todo o seu entusiasmo na vitória de John Kennedy.
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