Na próxima quarta-feira, 22 de fevereiro, o escritor Valério Romão animará mais uma das sessões mensais da Associação Gandaia dedicadas à literatura portuguesa contemporânea.
Nascido em França no ano da Revolução de Abril, veio em criança para o Algarve donde os país eram naturais. Licenciou-se em Filosofia, mas tem ganho notoriedade com sucessivas obras, ora na forma de romances, contos ou peças de teatro. São-lhe conhecidas igualmente participações em projetos multiculturais com outros criadores.
Lendo-lhe os contos, entretanto publicados na revista Granta, presumimos a importância que a família tem na sua obra, porquanto todos eles são vividos no interior da casa, espaço restrito onde se sentem as suas tensões e catarses.
Em «Enciclopédia Médica da Família» Romão narra-se na primeira pessoa, contando as circunstâncias do seu nascimento e a razão do nome escolhido pelo progenitor. Há a identidade, que nunca será a francesa, porque genuína é a satisfação com que acolhe a opção do regresso a Portugal. E também a morte - outra constante nos três textos em causa - que é aqui a do pai, fulminado por ataque cardíaco na sua presença solitária, sem que nada consiga evitá-lo.
Em «Quando se pôs o meu irmão fora de casa» a disfuncionalidade da família passa pela rutura com o primogénito que, expulso do reduto, não deixa de ficar do lado de fora a espreitar as notícias dos telejornais pela janela. Existe a vontade de reintegração e a mãe bem procura sensibilizar o marido para essa possibilidade. Em vão, que o autocrata tudo põe e dispõe, até mesmo a abertura ou não das venezianas, que permita alguma interação entre os que vivem do lado de dentro e quem os espreita do lado de fora.
A morte estará presente através do bebé nascido da relação desse com uma rapariga tão desvalida quanto ele.
Mais perturbadora é ainda «À medida que fomos recuperando a mãe», o conto sobre o difícil luto de uma família depois de verem o cancro ganhar a batalha contra a progenitora. Abandonando-se no seu desespero, o pai só dele começa a reagir, quando um dos filhos mais velhos começa a imitar a voz e as expressões da defunta, tomando-lhe progressivamente o lugar para desatino dos mais novos, incapazes de entenderem tal transformação. Sobretudo quando leva esse processo até à assumpção das vestes da desaparecida.
À exceção do conto mais autobiográfico existe uma inquietante perversidade nos outros dois. Constata-se a estranheza ligada ao processo de crescimento, a identidade do espaço a que se pertence, ao género por que se é reconhecido. E a fluidez de um estilo, que não enjeitando influências percetíveis (ele assume-as relativamente a Saramago e a Antunes), possui a especificidade de quem já encontrou a maneira de se definir como único.
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