Algures no noroeste da França, onde outrora floresceu a Revolução Industrial e onde o fecho das fábricas condenou as pessoas à precariedade, ao desemprego e ao isolamento, a extrema-direita sente a possibilidade de ganhar as eleições locais numa das cidades ali situadas. Philippe Berthier, velho quadro do partido (Rassemblement Nationale Populaire, que era o nome de organização semelhante entre 1941 e 1944 e tinha um logotipo muito semelhante à suástica), aposta numa enfermeira muito popular, que costuma assistir os seus pacientes ao domicílio. Apesar de se tratar da filha de um velho operário metalúrgico, militante da esquerda, a líder do partido, Agnés Dorgelle (uma réplica de Marine Le Pen) fica entusiasmada com a sugestão e leva-a por diante.
Pauline, que nunca se interessara verdadeiramente pela política, fica lisonjeada com o convite e vai assumi-lo sem pejo. E o sucesso parece-lhe possível até começar a sentir os efeitos desse compromisso: o pai zanga-se, alguns dos seus habituais clientes fecham-lhe a porta na cara e até os jornalistas descrevem-na como instrumentalizada pela agenda fascista.
Se se deixa radicalizar pelo populismo ela fica surpreendida quando é o próprio partido a criticar-lhe a ligação amorosa com o treinador de futebol de um dos seus filhos, apesar do seu militarismo próximo dos valores a que se rendeu.
Estreado na semana passada o filme de Licas Belvaux suscitou a ira da Frente Nacional que contra ele lançou uma campanha muito ativa. E com razão, porque ele denuncia a habilidade oportunista do partido em aproveitar-se da diluição das antigas solidariedades operárias e sindicais para propor o mesmo sentimento de pertença com ideias simples e soluções atrativas, mesmo que falsas. Trata-se de lhes garantir a catarse no ressentimento contra as elites e o cosmopolitismo do século XXI.
Nas entrevistas a que tem comparecido, o realizador segmenta os aderentes à Frente Nacional em três grupos: o primeiro, movido pela ideologia fascista, não é recuperável; o segundo, constituído por oportunistas dispostos a conseguirem carreira política inacessível noutros partidos, perderá peso quanto eles sentirem-se incapazes de, também satisfazerem as ambições. E há enfim, o terceiro grupo, o dos que foram abandonados ao desespero e sentem conforto por verem alguém vir-lhes ao encontro dizendo-se dispostos a devolverem-lhes a esperança em dias menos sombrios. São eles quem as esquerdas deveriam procurar e recuperar para o seu seio. Porque, como se viu nas presidenciais norte-americanas, tanto podem votar nas propostas de esquerda de um Bernie Sanders como nas de um Trump.
O filme de Belvaux não é, pois, uma proposta datada, que perderá sentido logo após as presidenciais de maio, nem especificamente interessante para os franceses. Embora ainda não tenhamos tido em Portugal populismos deste tipo com suficientemente sucesso - mas Marinho Pinto, Tino de Rans ou Paulo Morais indiciaram essa probabilidade - «Chez Nous» vale, sobretudo, por lembrar às esquerdas que, mais do que digladiarem-se entre si, mais ganharão em irem ao encontro de quem deverão representar e defender. Porque se o não fizerem, abrem-se espaços para estas sinistras ameaças.
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