Li hoje mais cinco dos catorze contos, que integram este título de Teolinda Gersão, publicado dez anos atrás. Neles se continuam a verificar a presença explicita ou implícita da morte embora num - «Conversa»- ela se exprima através do terrível tédio de quem não encontra modo de dar substância ao quotidiano.
Essa estória surge a meio do livro e tem por protagonista uma velha senhora em monólogo com uma prima sobre a vizinha de baixo, que deixara de a visitar por se ter disputado com a sua criada, entretanto despedida.
Era essa Dona Libânia quem lhe atualizava as mais variadas coscuvilhices do bairro embora se escusasse a incluir nelas as relativas à filha, que nem estudara nem conseguira acertar num futuro, que a descansasse.
Ao ter contratado Rosa para substituir a irreverente Aldina, esperava dela uma aproximação à rancorosa ausente, devolvendo-lhe a perdida animação, de que sentia tanta falta.
Pode-se falar de instinto homicida, quando a decisão do homem, que se sente raivoso como um cão, o incita a deixar a mulher cega no meio da estrada ao abrir o sinal vermelho para os carros acelerarem a toda a velocidade? É que a decisão acontecera-lhe após a consciência de como se deixara tornar num bicho de estimação a quem todos - em casa ou no trabalho -, davam ordens para que obedecesse! Por isso ninguém o ouvia, ninguém dele se lembrava para promoções ou aumentos de ordenados e nem sequer tinha autorização para estudar contabilidade ou ir sozinho ao café.
Em «O Cão», Teolinda Gersão persiste no tema da morte, desta feita provocada, e dá à cega o papel de sádica, de opressora do homem que a desposara apesar da deficiência, e passara anos a alimentá-la e à sogra sem delas receber qualquer mostra de gratidão. Até ao dia em que a tal raiva o leva a pôr um travão no que até então o fizera sempre sentir-se puxado pela trela.
«História antiga» poderia integrar qualquer antologia sobre violência doméstica. Em apenas três páginas conta-se a história de uma mulher subitamente despertada para melhor alternativa amorosa do que a oferecida pelo marido, que sempre a tratara como escrava.
Despeitado, ele matara-a, sendo depois inocentado pelo juiz que o julgara. Mais um daqueles defensores do macho na sua coutada lusitana, no que revela ser bizarra noção de justiça.
Lisboa não é manifestamente um lugar normal: é o que conclui um homem de negócios que ouve, quase por acaso, uma empregada da limpeza a contar à outra como, na sua aldeia africana, se pusera fim à seca, matando-se uma mulher que chorara copiosamente o abandono do marido e a morte do único filho.
Tão só assassinada logo as comportas do céu se haviam aberto e a terra regada por abundantes águas.
O paradoxo para o visitante resultara de ter sentido a presença do continente negro na mais luxuosa suite do hotel onde havia pernoitado. E é este o conto que deu o título ao livro da autora.
Conversa unívoca em direção a um Deus de cuja existência duvida ou pelo menos não a escuta é o que consta do que tem por título «Se por acaso ouvires esta mensagem». Trata-se da invetiva de uma mulher, que acreditara ter chegado ao melhor momento da sua vida e a vira descambar ao descobrir-se contaminada pela doença que o amante seropositivo lhe pegara traiçoeiramente.
Enquanto constata a progressão do mal nas manchas, que alastram pela pele, nada mais resta do que indignar-se com quem cedo a abandonara a tão triste destino.
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