quarta-feira, fevereiro 11, 2015

O BELO NA ARTE (1): A dualidade do Belo e do Bem

Seja na música, nas artes visuais, na literatura ou no teatro, a arte do século XX - a que entendemos como “moderna” - mostrou-se agressiva e provocadora. Pouco se importou com a beleza, que pareceu remetida para o feudo das obras académicas.
Pelo contrário, no início deste século XXI, surgiu a obsessão com a beleza, não só nas sociedades europeias, mas sobretudo nas que estão em rápido desenvolvimento como a China ou a Índia.
Essa obsessão vislumbra-se menos na arte do que nos comportamentos individuais - os cuidados com o corpo, o desporto, a cirurgia estética -, no sucesso da moda e do design, na catadupa de novos museus e em múltiplos acontecimentos artísticos e culturais.
Pode-se falar de uma estetização da vida ancorada no consumismo. A beleza, que se tornara em algo de raro, voltou a representar uma indústria. E, ao mesmo tempo, essa obsessão com o Belo também se faz acompanhar com os valores do Bem. O que significa o imperativo de um pensamento político “correto”, da moda da igualdade, da ideologia da partilha e do primado dos valores relacionados com a compaixão.
Voltam-se a reafirmar os códigos morais, que tinham sido desmistificados no século anterior.
Nesta dupla evolução vêem-se conjugar esses dois elementos, que tinham estado interligados nas reflexões sobre a Arte: o Belo e o Bem, a beleza estética e a beleza moral. Uma relação, que se tinha distendido, e quase cobrado, de súbito restabelecida.
Comecemos por constatar que os filósofos interessam-se pelo Belo em primeiro lugar, ou seja pela propriedade das coisas e dos atos. Esta propriedade será depois racionalizada numa substância, a Beleza, ao mesmo tempo que serão mais fortemente afirmadas a sua especificidade e independência.
À partida o Belo tem duas componentes principais: o prazer por um lado, e o bem moral e religioso pelo outro. Ambos foram identificados por Platão no “Hípias maior”, no “Banquete” e no “Fedro” estava-se então no século IV antes de Cristo.
No “Hípias maior” Sócrates interroga-se sobre a natureza do Belo, na razão de ser de as coisas serem belas. O sofista Hípias responde-lhe sucessivamente dando o exemplo de uma bela rapariga virgem (o desejo sexual e o desejo de reprodução surgem de imediato), do ouro (que introduz a questão da conveniência), falando da riqueza, das honras e da respeitabilidade.
A ideia de utilidade é logo definida como ligada ao que é agradável e dá prazer...
Essa enumeração vai do prazer (sexual) ao bem, passando pela conveniência. Mesmo se o “Hípias maior” constitui um dos diálogos de Platão quando ainda jovem - e que se conclui num impasse sem resposta - essa sucessão de definições abortadas reagrupa o itinerário de ascensão para o Bem, descrito no discurso de Diotimo relatado por Sócrates no “Banquete”: o Amor que preenche o vazio conduz-nos do  desejo sexual ao Bem através do amor dos corpos, das coisas e dos entretenimentos belos... 

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