Em 1115 o conde D. Henrique já morrera dois anos antes e era a viúva, Teresa de Leão, quem governava o Condado Portucalense em representação do seu filho Afonso, ainda menor. Nenhum deles é, porém, referenciado neste romance de Pedro Eiras.
Bonifácio, o jovem protagonista, vê a realidade de acordo com o que pode alcançar: existe uma grande discrepância de recursos entre o clero e o povo com os jogos de poder a envolverem sobretudo as disputas territoriais dos bispos. E nada lhe dizem as rivalidades entre reis e pretendentes a tal.
É o que pode concluir com a sua viagem a Santiago de Compostela onde um Sínodo decidira sobre a posição dos bispos de Portucale e da Galécia a respeito da pretensão do anfitrião em ganhar autonomia similar à de Toledo ficando apenas na dependência do Papa Pascoal II: “Vimos terras novas, e gentes cujo falar, embora o mesmo, aos poucos se tornava mais e mais distinto do nosso. (…) Atravessámos campos, florestas, rios, vimos castelos no cume dos montes, aves raras de encontrar, povos assustadiços, mistérios grandes que as nuvens formavam sem decifração.”(pág. 95)
Ao chegarem ao mosteiro os que integraram a comitiva de Dom Hugo depararam-se com notícias inquietantes chegadas do Vaticano: quando o Sínodo de Compostela já dera Maurício Burdino como definitivamente caído em desgraça, este fora a Roma e convencera Pascoal II da maledicência conspirativa de que tinha sido vítima. Como resultado a pretensão de Compostela fora atribuída a … Braga!
Doravante Burdino nem sequer passaria a responder junto de Dom Bernardo de Toledo.
A um atónito Bonifácio explica Dom Hilário: “É o mais simples deste mundo! Enquanto fomos a Compostela cheios de trabalho para nos reunir contra Braga, para ganhar uma metrópole, este Maurício Burdino viaja para Roma e não só recupera a reputação, como ainda ganha aquilo que Diogo Gelmires queria.” (pág. 119)
O respeito que Dom Hugo inspirara em Bonifácio começa a vacilar, porque as colheitas têm sido más, e ele desviara para a construção de uma nova catedral os braços de muitos dos homens, que melhor se aproveitariam no trabalho da terra.
Mas, mais grave ainda, Bonifácio começa a duvidar da própria existência de Deus: “E meu espanto, então, visceral, é ver esse universo existir sem Deus, Pecado, Salvação. Surgem-me as cousas como tendo o fim nelas mesmas, sem outro juízo; não para um fim em Deus, nem sequer para um fim no Homem. Mesmo se este criou muitas delas. Não possuímos, não governamos. O mais que podemos é sentir o pasmo, ficar calados e entregues ao completo, absorvente pasmo.” (pág. 155)
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