Há por aí muito guru a querer-nos convencer que transformar os sonhos em realidades é só uma questão de “atitude”. Ou de “pensamento positivo”…
Hélas! Quase sempre os sonhos ficam por realizar e contingências, de que nem sequer suspeitamos, acabam por nos vir infernizar a existência. Esta é a tese do escritor Cormac McCarthy, que escreveu o argumento para «O Conselheiro», cuja realização foi confiada ao veterano Ridley Scott.
E vemo-la demonstrada no nosso dia-a-dia: que puderam fazer milhares de portugueses, que perderam os empregos e as esperanças numa vida decente por causa da eleição de passos coelho? Ou, num exemplo mais recente, quantos terão visto em Angola o seu mirífico eldorado e despertam agora para o pesadelo dos preços baixos no barril do petróleo?
Pode-se estranhar que um filme com um elenco onde se contam Michael Fassbender, Penelope Cruz, Javier Bardem, Cameron Diaz ou Brad Pitt tenha passado quase despercebido pelos nossos ecrãs? Não propriamente! Quem vai ao cinema faz-me lembrar uma espectadora indignada na plateia de um filme de Arrabal logo após o 25 de abril, que proclamava: “Vem uma pessoa ao cinema para se divertir e sai-nos isto?”.
«O Conselheiro» equivale a um violento murro no estomago, porque, à partida somos levados a simpatizar com o advogado quando aposta em alinhar num negócio ilícito para ganhar com que possa viver folgadamente com a noiva, e irá descobrir uma realidade muito diversa daquela em que se julgava a ocupar.
E, quando uma cliente lhe pede ajuda para que pague a multa, que levara o filho à prisão por excesso de velocidade, não suspeita da descida aos infernos a que se condena por esse gesto aparentemente banal.
O que o personagem interpretado por Fassbender descobre é o lado mais tenebroso do México de hoje com as lutas entre cartéis de droga a banalizarem os assassinatos, que chegam a alcançar o paroxismo na perversidade dos snuff movies.
Ele bem tenta negociar uma saída para essa queda no abismo, mas nenhuma mão lhe será estendida. Os que julgava amigos ou morrem ou revelam-se afinal no papel de titereiros, que fazem dele marioneta.
Que não se iluda quem errou voluntariamente, ou não, e quer corrigir as suas ações ou omissões. Uma vez despoletado o mecanismo, que apertará o garrote já não será possível impedi-lo de cortar a cabeça.
É, pois, um filme profundamente pessimista, mas nada que nos surpreenda no escritor a quem já devemos dois outros títulos não menos amargos: «Este País Não é para Velhos» ou «A Estrada».
Mas, ainda assim, há quem lembre ao advogado o poema de Machado, que manda o caminhante continuar a abrir caminho pelo simples gesto de caminhar. Uma outra forma de dizer que, apesar de todas as ondas, navegar continua a ser preciso...
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