A admiração do noviço Bonifácio pelo seu bispo, Dom Hugo, começa a esmorecer quando o vê a intrigar com Compostela para anexar o bispado de Braga cujo titular fora deposto após tomar partido pelo lado perdedor nas disputas de Dona Urraca com o rei Afonso de Aragão: “esta celeuma sobre a posse de territórios surpreende-me, e os ânimos inflamados que levanta num dom Hugo, imaculado exemplo de calma. Mas talvez seja esta a correta e sã atitude de um bispo? Quero crer que me engano. Procuro não pensar muito. Mas penso. O que é ser bispo?” (pág. 81)
Na sua inocência Bonifácio não suspeitava no interesse pelas coisas terrenas dos que julgava preocupados apenas com os valores espirituais. Não admira, que comece a alimentar dúvidas sobre tudo quanto fundamenta a sua visão do mundo. Tanto mais que encontra exemplo cada vez mais impressivo em Dom Hilário: “Sempre me pareceu pouco prudente da parte deste irmão pôr tão abertamente em dúvida algumas ideias que a Igreja tem por certas, ainda que coberto de ironia, pretensa inocência mui estudada, e essa habilidade especialíssima em fazer que se digam as cousas como por acidente, como se não fosse ele quem motivasse na sombra, certas conclusões menos pacíficas.” (pág. 84)
Viajar também constituirá para Bonifácio a oportunidade para alargar os seus horizontes Por isso será tão importante a participação no Sínodo, onde se irá decidir a posição dos bispos de Portucale e da Galécia sobre a pretensão de Compostela em ganhar autonomia similar à de Toledo e ficar na dependência direta do Papa Pascoal II: “Vimos terras novas, e gentes cujo falar, embora o mesmo, aos poucos se tornava mais e mais distinto do nosso. (…) Atravessámos campos, florestas, rios, vimos castelos no cume dos montes, aves raras de encontrar, povos assustadiços, mistérios grandes que as nuvens formavam sem decifração” (pág. 95)
No culminar dos trabalhos Dom Diogo Gelmires é aclamado por todos os bispos, que convidara para o Sínodo e, ao mesmo tempo, demonizam Maurício Burdino, o anterior titular de Braga.
Bonifácio surpreende-se com a rapidez com que Dom Hugo e os outros bispos se tinham apressado a verberar Maurício a quem antes veneravam. Prefere por isso descobrir as ruas de Compostela: “a liberdade de caminhar sozinho em ruas ignotas. Isso mesmo que tanto me assusta me enche de contentamento interior. Como explica-lo? Sinto os pulmões rebentarem e dificilmente contenho o grito de júbilo. A minha força parece-me indescritível. Ora são estes passeios solitários, não tanto a viagem com meus superiores, que fixo com perfeita clareza”. (pág. 108)
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