quinta-feira, fevereiro 13, 2020

Pulsares: E se nos trouxessem de volta os mortos que muito amámos?


São poucas as situações sobre as quais não reajo, de imediato, com um juízo quase definitivo, já que entendo dialéticos todos os aspetos inerentes ao que se vai passando à volta. Sendo tão límpida a grelha de valores com que tudo aprecio, torna-se instantânea a reação de apoio ou condenação, de empatia ou antipatia, perante o que vejo, leio ou ouço. Daí a surpresa do desconcerto com a situação hoje apresentada num programa francês e tendo a morte como tema: na Coreia do Sul uma empresa criou o avatar de uma miúda de 4 anos, morta de doença incurável em 2016, e conseguiu mostrá-lo em direto à progenitora num programa televisivo de grande audiência. Acedendo a que lhe pusessem um capacete na cabeça, a senhora viu a filha aproximar-se, indagando-a por onde tinha andado e se pensara nela. É claro que a explosão emotiva foi captada em direto para gáudio das audiências, mas subjazem muitas dúvidas sobre a bondade da inovação tecnológica: perante a morte de quem muito se amou, sobretudo uma criança cujo futuro tão cedo se abreviou, faz sentido recuperá-la por breves instantes como se de longe viesse para minguar o desassossego dos sobrevivos? Não se trata de uma quase obscena manifestação de morbidez?
À partida seria nesse sentido que tenderia a julgar o acontecimento. Mas questiono-me sobre qual seria a reação se me encontrasse em semelhante transe. A verdade é que todos quantos vi mortos até hoje - mesmo os meus pais, ambos perdidos algures nos seus alzheimers ou senilidades! - nunca os olhei senão como matéria sem vida a que cumpria dar a dignidade da incontornável despedida. Mas há muito fizera o luto de quem haviam sido e deixado de ser! Impensável imitar outro inventor norte-americano que, em vida do pai, lhe registou oitenta mil expressões verbais e agora se congratula por diariamente com ele «trocar» mensagens, porque a cada uma das suas perguntas no iPad logo lhe responde uma frase perfeitamente coerente com o que seria a reação do desaparecido, graças ao programa atempadamente preparado para esta ocasião.
Em suma, se os meus mortos estão definitivamente cingidos ao limbo a que se recolheram, não os desejando de modo algum de volta, o que sucederia se acaso perdesse subitamente quem amo? Teria a mesma fria reação perante a ilusória possibilidade? Tenderia a crer que a razão predominaria e não a veria como paliativo para a saudade?  Uma questão sem resposta, porque, de facto, não a sei...

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