São poucas as situações sobre as quais não reajo, de imediato, com um juízo quase definitivo, já que entendo dialéticos todos os aspetos inerentes ao que se vai passando à volta. Sendo tão límpida a grelha de valores com que tudo aprecio, torna-se instantânea a reação de apoio ou condenação, de empatia ou antipatia, perante o que vejo, leio ou ouço. Daí a surpresa do desconcerto com a situação hoje apresentada num programa francês e tendo a morte como tema: na Coreia do Sul uma empresa criou o avatar de uma miúda de 4 anos, morta de doença incurável em 2016, e conseguiu mostrá-lo em direto à progenitora num programa televisivo de grande audiência. Acedendo a que lhe pusessem um capacete na cabeça, a senhora viu a filha aproximar-se, indagando-a por onde tinha andado e se pensara nela. É claro que a explosão emotiva foi captada em direto para gáudio das audiências, mas subjazem muitas dúvidas sobre a bondade da inovação tecnológica: perante a morte de quem muito se amou, sobretudo uma criança cujo futuro tão cedo se abreviou, faz sentido recuperá-la por breves instantes como se de longe viesse para minguar o desassossego dos sobrevivos? Não se trata de uma quase obscena manifestação de morbidez?
À partida seria nesse sentido que tenderia a julgar o acontecimento. Mas questiono-me sobre qual seria a reação se me encontrasse em semelhante transe. A verdade é que todos quantos vi mortos até hoje - mesmo os meus pais, ambos perdidos algures nos seus alzheimers ou senilidades! - nunca os olhei senão como matéria sem vida a que cumpria dar a dignidade da incontornável despedida. Mas há muito fizera o luto de quem haviam sido e deixado de ser! Impensável imitar outro inventor norte-americano que, em vida do pai, lhe registou oitenta mil expressões verbais e agora se congratula por diariamente com ele «trocar» mensagens, porque a cada uma das suas perguntas no iPad logo lhe responde uma frase perfeitamente coerente com o que seria a reação do desaparecido, graças ao programa atempadamente preparado para esta ocasião.
Em suma, se os meus mortos estão definitivamente cingidos ao limbo a que se recolheram, não os desejando de modo algum de volta, o que sucederia se acaso perdesse subitamente quem amo? Teria a mesma fria reação perante a ilusória possibilidade? Tenderia a crer que a razão predominaria e não a veria como paliativo para a saudade? Uma questão sem resposta, porque, de facto, não a sei...
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