quinta-feira, fevereiro 20, 2020

Diário das Imagens em Movimento: Ainda podem ver-se filmes de Jean Grémillon na Cinemateca


Este mês de fevereiro fica marcado pela redescoberta de Jean Grémillon como um dos mais interessantes realizadores franceses dos anos 30 e 40, ombreando em qualidade e competência com o bem mais celebrado Jean Renoir. A apreciação dos seus filmes tem sido facultada pela Cinemateca, que prosseguirá com esse ciclo até ao final do mês.  De entre os que serão exibidos realcem-se dois: Um Erro Judiciário (1939) e Rebocadores (1941). Em ambos podem-se comprovar aquilo que se costuma referir como características particularmente meritórias nos filmes dessa época: a qualidade dos diálogos.
No primeiro demonstra-se como pode ser ilusória a imagem de respeitabilidade de um dos principais comerciantes de Toulon: se de dia ninguém duvida da sua honradez, de noite converte-se no chefe de um bando de meliantes, que lhe confiam o produto dos seus roubos. E a situação complica-se quando regressa à cidade um jovem sapateiro, injustamente acusado de um crime por ele cometido e decidido a exigir justiça depois de ter fugido da colónia penal da Guiana.
Beneficiando dos recursos da UFA para a qual rodara três outros filmes, Grémillon mistura cenários realistas criados em estúdio com outros naturais, fazendo contrastar cenas bem iluminadas com outras dominadas pelas sombras. A montagem é exemplar na forma como insere as elipses nos momentos certos e, para além do acerto das interpretações de Raimu ou Pierre Blanchar, também é irrepreensível a direção dos atores secundários, nomeadamente de Madeleine Renaud e Viviane Romance. E, como sucede em quase todos os seus filmes, Grémillon preocupa-se em ilustrar, como se de documentário se tratasse, a vida do ambiente em que situa as suas histórias.
Isso mesmo sucede em Rebocadores que, nos primeiros minutos, presta tributo ao heroísmo das tripulações das embarcações incumbidas de salvarem navios em dificuldades ao largo de Brest. Quando esse objetivo se cumpre pode-se entrar no outro: a demonstração como um homem dividido afetivamente entre duas mulheres, acaba por ambas perder. Ele é André, interpretado por Jean Gabin, capitão de um desses rebocadores, que se enamora de Mirva (Michèle Morgan), a legítima do comandante do navio de carga a que presta socorro.

A paixão é assolapada e a vontade de tudo por ela abandonar sobrepõe-se às responsabilidades conjugais. Ele ignorava que Yvonne estava extremamente doente do coração e tem a vida presa por arames. Quando esse desenlace ocorre, Mirva já deu entretanto à sola.
Apesar de ter conhecido uma rodagem caótica, que se prolongou por dois anos devido ao alistamento de Grémillon e de Gabin no exército francês, o resultado final superou todos esses constrangimentos. A tal ponto que um crítico francês viu nele uma aura cataclísmica magnifica. Mas para tal muito contribuíram os diálogos de Jacques Prévert e as interpretações dos principais atores, entretanto exilados nos Estados Unidos, quando o realizador ainda rodava algumas cenas complementares.
Após este ciclo nada justifica que Grémillon continue a ser tão ignorado quanto ocorreu até aqui.

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