terça-feira, fevereiro 25, 2020

Diário de Leituras: «Lendas da Floresta Vienense» de Ödön von Horváth


Não me recordo de qualquer referência a esta peça de Ödön von Horváth, um romancista e dramaturgo austríaco com uma vida cedo cerceada por ter-se visto atingido pelos ramos de uma árvore dos Campos Elísios durante um temporal, quando a capital francesa ainda há pouco se tornara de precário abrigo para essoutro temporal nazi, que tomara conta da sua terra natal. Contava 36 anos, publicara obra vasta e reconhecida, nela se contando esta «Geschichten aus dem Wiener Wald», que datada de 1930, foi levada à cena no ano seguinte no Deustsches Theater de Berlin com Peter Lorre num dos principais desempenhos. A polémica em seu torno fora intensa com a imprensa vienense a acusá-la da má imagem dada da Áustria e os nazis a diaboliza-la por ridicularizar os patriotas alemães. À distância de noventa anos esta peça lê-se como alerta contra o fascismo e à sua capacidade para penetrar insidiosamente nos imaginários coletivos.
Escrevendo sobre ela Horvath assumia que “nada se confunde tão plenamente com o infinito quanto a estupidez”, sendo evidente a sua omnipresença na brutalidade individual e coletiva disfarçada numa fachada de opereta. E a peça em si remete para essa tradição musical.
A história passa-se nos anos 20 em Viena quando se perspetiva o casamento de Marianne, a filha de um próspero vendedor de brinquedos, com o talhante Óscar, que era seu vizinho. O piquenique para anunciar o noivado tinha tudo para ser idílico, mas o encontro com Alfred na floresta muda as intenções da rapariga, indiferente a quem a avisa dele viver como gigolo às custas de Valérie.
A fuga de Marianne e Alfred converte-se num inferno apenas passado um ano.  Ele acusa-a de ter-lhe estragado a vida e obriga a confiar à mãe e à avó a criança entretanto engendrada nessa infeliz ligação. Logo abandonada pelo amante, Marianne só encontra modo de se sustentar como corista de cabaré, onde, para grande escândalo é encontrada pelo pai, quando aí leva um cliente promissor e por Valérie que compensara a perda de Alfred nos braços de um estudante fascista.
Desesperada, Marianne procura roubar o cliente do pai e vai para à prisão. Libertada, reconcilia-se com o progenitor, vê-se perdoada pelo frustrado noivo e tudo se conjuga para um novo começo. Mas o filho morre por voluntária negligência da avó e ela invetiva Deus e o mundo á sua volta por tê-la levado à lamentável situação em que se vê. Tanto mais que a vida com Oscar adivinha-se complicada, soando como ameaça o que ele avisa no final: “disse-te um dia, Marianne, que não escaparias ao meu amor!».
Horvath denuncia a alienação da classe média que por trás das aparências esconde a mesquinhez da sua ideologia pequeno-burguesa. E Marianne é a única a sempre se comportar com sinceridade, mesmo que isso implique a conformada aceitação do triste futuro que a espera...

Sem comentários: