sexta-feira, fevereiro 28, 2020

Diário das Imagens em Movimento: O Inferno sem Saída de Ted Post


Quatro filmes se destacam quando queremos evocar a guerra do Vietname através de imagens cinematográficas: há a ambígua odisseia de O Caçador, as visões alucinadas de Francis Ford Coppola em Apocalypse Now, a catarse de Oliver Stone com Platoon e a mecânica implacável de Stanley Kubrick no Nascido para Matar.
Antes de qualquer deles um outro cuidou de representar o inferno em causa e foi este título de Ted Post. Podem os puristas recordar Os Boinas Verdes, que John Wayne rodou dez anos antes, mas melhor importa esquecer tão execrável filme de propaganda, mostrando que um ator de razoável talento podia converter-se num mero vendedor de banha da cobra. Ou M.A.S.H., que pretendia fazer comédia sem questionar nada do contexto em que ela se exprimia. Na realidade foi o improvável Ted Post a arriscar uma abordagem, que demonstrava a ilegitimidade da intervenção norte-americana na Indochina.
A ação situa-se em 1964, quando os franceses saíram da península com o rabo entre as pernas e um número insuficiente de norte-americanos queria evitar que Ho Chi Minh estendesse até à ponta sul, o domínio político estabelecido na parte norte. É nessas circunstâncias que Becker recebe do general a que está subordinado a ordem para ocupar Mua Wa, uma pequena povoação onde os franceses tinham conhecido humilhante derrota.
Becker sabe não dispor de meios humanos em número suficiente para conservar essa posição, mas a impossibilidade de ter progredido na carreira por episódio comprometedor no passado, não o incita a contestar a ordem em causa. Desencantado e cansado resta-lhe minimizar os danos das decisões, que sabe estapafúrdias.
Não existe espaço para qualquer bravata heroica: mesmo o jovem soldado voluntário protagonizado por Craig Wasson depressa vê estilhaçadas as ilusões com que chegara àquele destacamento. Embora as evidências teimem em não chegar ao Pentágono ou à Casa Branca, os que estão no terreno compreendem que as chefias subestimaram os inimigos com uma arrogância, que sairá cara a toda uma geração morta ou estropiada numa geografia em nada semelhante à coreana, donde se julgara possível replicar as lições de uma quase derrota. Comprovar-se-ia que esse tipo de ensinamentos só aproveitariam quem os queria realmente ver. E esses foram os vietnamitas...
Ted Post, que assinara séries e filmes com Clint Eastwood (nomeadamente um dos títulos mais interessantes da série Dirty Harry) mostra neste Go Tell the Spartans a condição de competente artesão, capaz de se resguardar na sobriedade e eficácia dos planos para não arriscar voos mais ambiciosos.
Burt Lancaster fez o que dele se esperaria: Becker cola-se-lhe à pele como se não houvesse quem pudesse substitui-lo no desempenho. E importa ainda detalhar a razão do título em inglês, infelizmente ignorado para os definidos na distribuição pelos mundos lusófonos ou francófonos: os espartanos em causa remetem para o monumento consagrado a Leónidas e aos trezentos heróis da Batalha das Termópilas, que perante a iminente derrota terão incumbido um mensageiro de ir a quem para ali os enviara para informar da disposição em morrerem pela lei em que acreditavam...

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