sexta-feira, fevereiro 07, 2020

(DL) Uma mulher em trânsito


Ao escrever sobre «Trânsito» - o romance que acabámos de ler - a jornalista Isabel Lucas elogia-lhe a “tremenda capacidade de Rachel Cusk escrever sobre a banalidade fazendo disso grande literatura”. E é de facto, de grande Literatura que se trata, embora nos deixe algo atónitos nas primeiras páginas. Porque ficamos a saber que Faye, a narradora, é uma escritora apostada em voltar a Londres depois de falhado o casamento com um homem de quem pouco ficaremos a saber. Porque não se deteta ressentimento nela, apenas a constatação de com ele ter tido uma conjugalidade, que se havia esgotado, apesar de terem surgido os dois filhos.
Acompanhamo-la na descoberta do novo espaço, uma casa em mau estado, que tem de requalificar, mas extremamente bem situada na cidade onde volta a relançar o percurso de escritora e de professora.  Com o senão de ter um casal insuportável como vizinhos da cave e pelos quais se sente quotidianamente destratada por muito que resista e não lhes dê a satisfação de dali sair.
O romance é construído como uma soma de sucessivos contos, porque o único elo entre os vários capítulos é essa situação de estar em trânsito entre um passado, que deixou para trás e um futuro imprevisível. As pessoas com quem convive vão sendo diferentes umas das outras e deixam-se observar nas suas inquietações e anseios, de alguma forma servindo de espelho para os dilemas por ela própria enfrentados.
Não existem grandes dramas, nem definitivas transições de um para outro estado. É um romance sobre o presente instável de uma mulher inquieta com o envelhecimento inerente aos  primeiros cabelos brancos e ainda à procura do que lhe possa dar novo sentido para o seu viver.

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