domingo, fevereiro 02, 2020

Diário das Imagens em Movimento: «Que estranho chamar-se Federico» de Ettore Scola (2013)


Há duas semanas, em 20 de janeiro, houve quem recordasse ser esse o dia em que Federico Fellini comemoraria cem anos se ainda fosse vivo. Razão bastante para agora evocarmos um filme de Ettore Scola, estreado em 2013 para evocar o realizador no 20º aniversário da sua morte, ocorrida em 31 de outubro de 1993.
Scola já estava octogenário, quando, com a ajuda das filhas Paolo e Sílvia, decidiu sair da merecida reforma a que se remetera dez anos antes, para construir um filme, que seria bem mais do que um misto de documentário e de ficção, porque tratava-se sobretudo de dar um testemunho sobre quem fora para ele um mestre inspirador e um incondicional amigo. E para título adaptaria o verso de um poema em que Federico Garcia Llorca referira a estranheza do seu nome: qué raro que me llame Federico!, para avalizar um projeto mais poético do que político, porque por uma vez, o eterno comunista Scola secundarizou os ideais em proveito do tributo a essa amizade.
Poderíamos considerar que quase tudo sabíamos sobre a vida de Fellini, tantos tinham sido os filmes em que traduzira na tela as suas experiências autobiográficas: a infância em Rimini no insuperável Amarcord, a mudança para a capital em Roma, as noites de insónia a percorrer a cidade no seu carro e na companhia de amigos em 8 1/2 ou as preocupações com o avançar da idade em Cidade das Mulheres. Mas não só: com ou sem Marcello Mastroianni como alter ego, todos os seus filmes estão imbuídos das obsessões e fantasiosas análises que foi fazendo da realidade à sua volta.
Quase todo ele filmado no mítico Estúdio 5 da Cinecittá, onde Fellini construíra praias e oceanos, navios e edifícios da arquitetura fascista, Que Estranho Chamar-se Federico tem por guia um narrador, que se vai passeando  pelos cenários para recordar as vicissitudes relacionadas com a vida e as diversas obras do protagonista. Nesse sentido constitui exemplo perfeito do recurso à metalinguagem no de elogio que faz ao cinema.
Habilidosamente Scola evita mostrar os rostos de Fellini e de Mastroianni nas idades mais avançadas, filmando os atores, ora de costas, ora com óculos escuros, que lhes escondem metade da cara, mas nenhuma dúvida sobra quanto a quem estão a personificar. Estranha-se, igualmente, a secundarização de Giulietta Masina, que tão fundamental foi para Federico. Mas Scola insere-a numa cena deliciosa em que ela fala sobre a fama do marido enquanto mentiroso: “A mentira, para ele, não é mentira. É fantasia, é ver aquilo que os outros não conseguem ver.”
São essas algumas das razões porque Que Estranho Chamar-se Federico é uma obra maravilhosa, que deixa no espectador a insatisfação por ter durado tão pouco.
Para os incondicionais do realizador, porventura de ambos - do homenageado e do homenageador! - a fruição poderia prolongar-se muito mais...

Sem comentários: