terça-feira, outubro 08, 2019

Diário de Leituras: Um minuto e quarenta e nove segundos


Na manhã de 7 de janeiro de 2015 Laurent não adivinhava que, ao entrar nas instalações do jornal onde trabalhava, logo veria assassinados os amigos com que convivera diariamente nos últimos anos, porque ali encontrara emprego estável como ilustrador mais de duas décadas atrás. Jean, Stéphane, Georges, Philippe, Elsa, Franck, Mustapha ou os dois Bernard.
A ele valera-lhe a súbita recordação dos exercícios a que se sujeitara durante o serviço militar, atirando-se para o chão tão-só percecionara a ameaça dos irmãos Kouachi.
Ficara ferido, mas sobrevivera.
Durante algumas semanas tivera vontade de tudo abandonar. Se houvera quem, depois do Holocausto, proclamara o fim da poesia, como se poderia continuar da mesma forma a usar humor, quando a tragédia consumara-se no assassinato de alguns dos seus mais argutos cultores?
Depois - até para honrar quem tombara! -, tomou-lhes o testemunho e prosseguiu com o projeto, que continua a dirigir ao fim de quase cinco anos. Mas a reconstrução interior tem perdurado.
Não é missão que se resolva com um estalar de dedos. Porque, provavelmente, nunca mais o rosto voltará a exprimir o sorriso fácil, então frequente. É que, havendo vários modelos possíveis de morte, um deles é o que se cola aos sobreviventes incapazes de aceitar a razão de terem sido poupados a algo que condenara aleatoriamente quem estava ali mesmo ao lado.
Ao escrever «Une minute quarante-neuf secondes», que foi o tempo exato gasto pelos assassinos para revirarem-lhe todas as convicções, Laurent quis dedica-lo aos inocentes, aos vivos, aos mortos e aos loucos, mesmo dizendo, logo de início, que “acreditar-se capaz de partilhar a experiência com os outros é um esforço perdido logo à partida”, porque “a escrita é um egoísmo cujo único objetivo é alertar quem nela se arrisca”.
Começando por recordar a sua primeira experiência de lidar com mortos - o avô quando tinha onze anos - demora a chegar aos que mais lhe importam, recordando, no entretanto, a experiência como jovem assistente funerário numa agência em que sentira grandes dificuldades em encarar com os que haviam perdido os entes queridos.  A partir daí o livro constitui a sua evocação dos que tinham transformado o «Charlie Hebdo» numa prodigiosa aventura jornalística e dela se converteram em injustas vítimas.

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