quarta-feira, outubro 16, 2019

Diário das Imagens em Movimento: Cenas da luta de classes na Alemanha dos anos 70


Félix Moeller, realizador do documentário «A RAF e os seus simpatizantes», é filho de Margarethe von Trotta e, em miúdo, teve por padrasto Volker Schlondorff, ambos nomes fundamentais do cinema, que se rodou na Alemanha entre os anos 70 e o final do século XX. Desde então tornaram-se irrelevantes embora se deva dar algum crédito a ela enquanto realizadora da biopic sobre Hannah Arendt, porque Schlondorff travestiu-se em apoiante de Merkel depois de, durante décadas, ter sido um conhecido social-democrata.
O filme, focado nos diários de Margarethe, deles partindo para as diversas entrevistas com os intervenientes dos acontecimentos dos anos 70, não limita o papel de «arrependido» ao efémero padrasto de Moeller: Daniel Cohn Bendit demonstra bem no que costuma redundar  o inconsequente e imaturo anarquismo.
Passemos então ao que foi essa década em que esteve brevemente ativa a Fração do Exército Vermelho como expressão de uma juventude apostada em combater o imperialismo, o capitalismo e a burguesia, nela cabendo os pais e os avós, que se adivinhavam terem sido cúmplices ativos dos crimes nazis.
Bastaram alguns atentados - que hoje seriam considerados pouco relevantes - para o governo, sobretudo quando Helmut Schmidt substituiu Willy Brandt como chanceler! -  entrar numa tal histeria, secundada pela imprensa afeta ao grupo Springer, que criou uma enorme crispação contra Andreas Baader, Ulrich Meinhof, apodando-os de «terroristas» sanguinários.
É certo que o patrão dos patrões, Schleyer, foi raptado, julgado e executado, mas os seus assassinos foram incompetentes em aproveitar o caso em seu favor. É que sempre foram conhecidas as ligações do morto a Reinhard Heydrich, o conhecido carrasco de Praga e autor da Solução Final. Na realidade, se os julgamentos de Nuremberga não tivessem sido condicionados pela rapidez com que se adensou o clima de Guerra Fria - aproveitando os norte-americanos para reciclar os antigos nazis em seu proveito! - Schleyer seria daqueles que se juntaria aos que foram condenados à morte naquele famoso processo.
De repente  não se viram assediados como criminosos apenas os militantes ativos da RAF: todos quantos assinaram petições ou exprimiram críticas quanto ao clima de ódio fomentado pelo governo e pela imprensa foram considerados, e apontados como inimigos públicos, entre os quais von Trotta, Schlondorff, mas também o Nobel Heinrich Böll acusado de pai espiritual do »terrorismo». No caso deste último o sofrimento pelos ataques de que se viu alvo atingiu tal paroxismo que, segundo o testemunho do filho, a sua morte precoce, embora aparentemente natural, deve ser contada como efeito do insistente assédio.
Nunca saberemos se Baader, Meinhof e os companheiros se suicidaram ou foram suicidados na prisão, mas as torturas a que foram sujeitos assumiram odiosa dimensão, denunciada por Jean Paul Sartre quando os foi visitar.
De qualquer modo conclui-se que os funerais dos líderes da RAF - filmados por Schlondorff, Kluge e Fassbinder - foram o dobre de finados sobre esse episódio da história alemã antes da queda do muro de Berlim. Uma forma de radicalismo de esquerda acabava na altura, dando à ainda muito nazificada mentalidade alemã uma vitória momentânea. Mas a luta ainda hoje continua para dar resposta às mesmas desigualdades então refutadas por toda uma geração.

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