quarta-feira, outubro 09, 2019

Apontamentos nas margens das notícias: O espanto e a sombra


Há quem ande convicto da perenidade do sistema capitalista mas as imagens à margem da atualidade quotidiana vão denunciando tendências que não podem ser ignoradas. Por exemplo as opiniões de vários bilionários norte-americanos assutados com o fosso cada vez maior entre os muito ricos e os mais desfavorecidos e por isso dispostos a pagarem mais impostos. Cientes da forte possibilidade de revoltas sociais violentas pugnam para que uma certa forma de Estado Social se implante em Washington garantindo-lhes mais uns anos de tranquilidade para prosseguirem nos seus especulativos negócios. Mesmo tendo por custo menos dinheiro disponível para darem livre curso à incurável ganância.
Dos Estados Unidos vem outro exemplo de como as coisas vão ali mudando aceleradamente dando razão a quem quer isenção de propinas nas Universidades no mais curto prazo: a Universidade de Nova Iorque passou a isentar os estudantes de Medicina das avultadas propinas praticadas até agora, poupando-lhes a contração de empréstimos ruinosos, que levariam anos a pagar. E os autores da estratégia já imaginam as demais universidade, como as de Harvard ou Yale, a imitarem-nas porque, caso o não façam, arriscam-se a perderem os melhores alunos para a ousada concorrente.
Essas e outras notícias acabam por dar razão a um escritor português, António Mota que, nos acasos de uma entrevista, disse uma frase eivada de grande sapiência: “o espanto é como a sombra: segue-nos a vida inteira!”.
E concluam-se estes apontamentos com a evocação da odisseia empreendida pelo samurai Hasekura Tsunenaga que, em 1613, saiu do Japão, acompanhado do franciscano Luis Sotelo para, a mando do dáimio Date Masamune, propor uma aliança comercial com Filipe III (o segundo da nossa dinastia filipina!). Passados sete anos, depois de um périplo, que incluiu algum tempo no Vaticano onde não conseguiu comover o papa para a sua proposta, regressou a casa com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.
A história, que tanto entusiasma quem a estuda no país vizinho e no Extremo Oriente, relaciona-se com a que aqui serviu de ponto de partida: os endinheirados norte-americanos tentam soluções de futuro enquanto podem porque atardando-se a aplica-las podem ver-se na contingência do referido Masamune que não conseguiu tornar-se shogun e, pelo contrário, teve de oprimir os católicos do seu feudo a mando do seu novo senhor.

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