domingo, outubro 20, 2019

Diário das Imagens em Movimento: Como Bertolucci chegou ao último imperador


Em 1984 Bernardo Bertolucci vira gorado o projeto de um filme norte-americano em que trabalhara nos dois anos anteriores. Desejoso de mudar de ares foi para Pequim onde as autoridades o instalaram no hotel habitualmente destinado aos maiores líderes de então. Acompanhava-o a vontade de adaptar ao cinema «A Condição Humana», romance de André Malraux que julgava acertado para conseguir o interesse e o investimento dos anfitriões.
As semanas passaram e Bertolucci tardou a compreender que, na China, o no news equivale precisamente ao bad news.
Nessa espera ele entretivera-se a conhecer a cidade e os seus habitantes, chegando-lhe às mãos um romance que muito o interessou: a história de Puyi, o último imperador que os soviéticos tinham prendido na Manchúria, quando os japoneses - que o tinham utilizado como fantoche - perderam a Segunda Guerra Mundial, e depois devolvido à China onde o regime comunista já fora implementado.
Quando ponderou na hipótese de contar-lhe a história, Puyi já tinha morrido há dezassete anos, mas o regime apreciava nela a redenção de quem soubera adaptar-se à nova realidade e enquadrara-se, já que  trabalhara no Jardim Botânico da capital e reciclara-se depois como bibliotecário.
No filme Bertolucci só utilizou a vertente de jardineiro, que ajustava-se à pretensão de, a partir das suas memórias, recordar as circunstâncias em que se vira entronizado imperador quando tinha apenas dois anos e como sentira-se prisioneiro dentro da Cidade Proibida não lhe sendo sequer dada a oportunidade para se despedir da mãe, quando ela morreu, tinha ele dezassete anos.
«O Último Imperador» surgiu numa altura oportuna por coincidir com o interesse então suscitado por uma China em plena transformação por ação das estratégias definidas por Deng Xiaoping. Ademais só dois anos depois ocorreriam os acontecimentos da Praça Tiananmen.
Resultado: com os nove Óscares conquistados, Bertolucci ter-se-á sentido plenamente vingado dos que, três anos antes, lhe haviam suscitado tão incómodo bloqueio na sua filmografia.

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