quarta-feira, outubro 09, 2019

Diário das Imagens em Movimento: O DocLisboa quase a propiciar-nos excelentes propostas


Na próxima semana inicia-se o DocLisboa, que apresentará sessões entre 17 e 27 de outubro.na Culturgest, no Ideal, no São Jorge e na Cinemateca. Porque se cumprem trinta anos sobre a queda do Muro de Berlim o festival integrará a exibição de muitos filmes da antiga República Democrática Alemã, que servirão para demonstrar o juízo errado comummente estabelecido em relação a tal país, de facto não redutível ao estereotipo de uma ditadura policial condicionada pelo poder absoluto da Stasi. Se quem mais lucrou com a implosão do antigo Bloco Soviético quererá perdurar essa caricatura, a realidade revelada por esses filmes mostrará as razões porque quantos então viveram naquele regime, dele viriam a sentir profunda nostalgia, quando o paraíso capitalista mostrou facetas muito diversas das então imaginadas.
Em «Goodbye Lenine» bem testemunhámos como muitos voltariam de bom grado a esse passado se tal porta ainda estivesse aberta. Mas a alternativa tem-se revelado recentemente bem pior, porque são esses mesmos desiludidos com o que a atual Alemanha lhes reserva a atirarem-se de bom grado para a sinistra vigarice proposta pela extrema-direita.
Nos filmes incluídos no festival ver-se-ão as atividades relacionadas com o trabalho, os retratos de homens e mulheres a acreditarem na partilha de esperanças, que poderiam vir a ser concretizadas no esforço coletivo e avanços civilizacionais entretanto sujeitos a refluxos lamentáveis. Mormente nos direitos das mulheres, que conheceram desenvolvimentos depressa travados, quando o apelo ocidental - decerto potenciado por gente infiltrada a partir da agência de Fort Langley - os substituiu pela persistente misoginia dominante no lado de cá. Mas também as manifestações de fútil irreverência, que abriram caminho ao desenlace de 1989.
O Festival ainda contará com outra retrospetiva a que convirá dar atenção tendo por foco a extensa filmografia da libanesa Jocelyne Saab que, desde 1975, colheu imagens sugestivas sobre o seu país em quase permanente guerra civil e a sua integração geográfica numa Ásia para onde tenderá a ser atraído, depois de tão maltratado pelos seus colonizadores ocidentais. A prometida descoberta de uma obra pouco divulgada poderá revelar-se bastante estimulante.
Um filme que não estará no DocLisboa, mas teria nele pleno cabimento, é «As Nossas Derrotas», que se estreia esta semana nos ecrãs franceses. Jean-Gabriel Petiot entrevistou alunos do ensino secundário para compará-los com os dos anos pós-68 para aferir-lhes a interpretação do mundo atual e do que pretendem fazer para o alterar (ou não). Embora abundem testemunhos dos que se dizem desinteressados da política, haverá sempre que contar com uma situação paralela à do início de maio de 1968, quando um grande jornal constatava que a França andava entediada não faltando quem, dias depois, se proclamasse realista, exigindo o impossível.
Revisitando filmes idos o entusiasmo não tem sido significativo. Em «A Dupla Vida de Veronique», realizado por Kieslowski em 1991, encontra-se uma atriz em estado de graça, como  nunca mais assim a reencontrámos (Irene Jacob), mas a interpretar uma estória confusa, surrealista, sobre uma jovem parisiense à procura de uma encarnação anterior, quando, como cantora lírica, se vira acometida de fulminante ataque cardíaco em cena.
De melhor perceção é «Hotel Monterey», filme experimental de Chantal Ackerman, estreado em 1973, que fará melhor cabimento em ambiente de museu, enquanto peça de videoarte, porque comporta sérias limitações como projeto cinematográfico por ser desprovido de diálogos, música ou o mínimo som. Trata-se de uma sucessão de planos fixos, seguidos de um longo travelling pelos corredores do hotel até uma janela donde se vislumbra o exterior, depois melhor abrangido por imagens colhidas a partir do telhado.
Igualmente na confluência entre a pintura e o cinema refira-se «O Sofá Vermelho», coassinado em 2005 por Marie Rivière e Eric Rohmer, o realizador que a utilizou como atriz em vários dos seus filmes, nomeadamente, «O Raio Verde» ou «Conto de Outono». É uma reflexão sobre arte mediante três personagens: uma pintora, a amiga que para ela posa e cujo retrato faz o amante casado pendurar no escritório, apesar de não se ver reconhecida na tela. Mas acaba quase convencida, que a tela reflete-lhe a quinta essência e não tanto quem verdadeiramente parece ser.
A concluir, e abordando um título que bem merece a classificação de objeto de museu - este sim do Cinema! - refira-se «Raffles» o filme rodado em 1930 por George Fitzmaurice com Ronald Colman no desempenho do sofisticado protagonista que, além de reconhecido jogador de críquete, é talentoso ladrão, embora a Scotland Yard já lhe ande a vigiar os passos.
Decidido a cometer um derradeiro e lucrativo golpe, que lhe financie o futuro com a concupiscente Kay Francis, vê ameaçado os planos quando um bando de amadores tenta antecipar-se e locupletar-se com o cobiçado e valioso colar de Lady Melrose.

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