terça-feira, outubro 01, 2019

Diário de Leituras: Entre as descobertas adolescentes e os balanços da velhice


Estamos na época alta em que saem romances e ensaios em catadupa nas livrarias francesas. Quase todos são títulos que não tardarão esquecidos, porque outros de igual qualidade (ou falta dela...) vêm-se-lhes substituir.
«La Chaleur» de Victor Jeslin é um deles, muito embora seja credível o retrato que traça de uma geração, que vive o fim da adolescência apenas com a preocupação de ver satisfeitas as urgências sexuais sem se inquietar com as grandes questões de um tempo, que já é o seu.
Durante dois dias os personagens procuram libertar-se do campo de férias onde passaram alguns dias, mas donde tardam a sair porque os progenitores demoram a virem-nos buscar. E sobra-lhes o cadáver de um deles, enterrado no areal, sem que tivessem esclarecido se o seu enforcamento tivera origem na intenção suicida ou num trágico acidente.
Uma conclusão fica exposta pela leitura de algumas das suas páginas: esses jovens, que servem de referência a Jeslin para escrever o romance, são para a minha geração uns autênticos alienígenas. Mesmo não havendo entre eles e nós os efeitos do que bem conhecemos no passado como um conflito de gerações.
Por cá a Porto Editora acaba de lançar «A Agenda Vermelha», cuja autora, Sofia Lundberg, é apresentada como estando a ser bastante reconhecida no seu país graças a este romance. A história é a de Doris, uma nonagenária de Estocolmo, que só tem como única parente uma sobrinha a residir em São Francisco, com quem comunica semanalmente por skype.
Para alimentar a conversa fala-lhe das pessoas cujo rasto mantivera na agenda vermelha oferecida pelo pai em miúda, quando lhe indicara as vantagens de as ir anotando à medida que fosse conhecendo. Ele fora o primeiro nome inscrito naquelas páginas, mas a sua memória perduraria sobretudo porque um acidente de trabalho causara-lhe um desfecho fatal, obrigando-a a sair da escola para servir como criada numa casa abastada. Depois amara platonicamente um pintor, fora modelo de alta costura em Paris e vira ser bombardeado o barco em que fugira da França ocupada.
Se o outro romance abordava vidas ainda quase todas por usufruir, em «A Agenda Vermelha» deparamo-nos com quem, sentindo iminente a morte, decide escrever um balanço de tudo que viveu, porventura para que essa história seja resgatada por Jenny e não se chegue a perder. Na prática, e através da escrita, a velha Doris ilude-se com a possibilidade de ser tão imortal quanto durem essas páginas.

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