quarta-feira, outubro 30, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «Inferno no Alto Mar» de Richard Lester (1974)


Nos tempos subsequentes à Revolução de Abril este não era propriamente um filme fadado para merecer grande atenção já que a prioridade dos espectadores orientou-se para um tipo de cinema mais político ou para o porno que, com o fim da censura, viveu então a época dourada. E, no entanto, este filme bem merecia melhor atenção dado vir assinado por um americano radicado na Grã-Bretanha, conhecido pelos filmes com os Beatles na década anterior. Realizador versátil, com propensão para o burlesco, Richard Lester não enjeitava introduzir momentos de experimentação no meio da intriga convencional, nem desviar «Inferno no Alto Mar» das características do filme-catástrofe para o transformar num thriller eficiente.
A história passa-se em grande parte no paquete «Britannic», durante uma viagem no oceano Atlântico com 1200 passageiros a bordo. Em terra o diretor da empresa armadora recebe uma chamada de alguém que se identifica como Juggernaut para exigir meio milhão de libras no prazo de vinte e duas horas se quiser evitar a explosão de diversas cargas de TNT espalhadas pelo navio. E, para provar que não está a brincar faz explodir uma das cargas na chaminé. O plano do rosto de Omar Sharif (o comandante do navio) nesse momento merece ser referenciado como antológico.
Acaso a meteorologia o permitisse a opção seria a de arrear as baleeiras transferindo para elas os passageiros. Só que as condições bravias do mar desaconselham-no liminarmente. A alternativa será a de enviar para bordo uma equipa em desminagem de engenhos explosivos liderada por Fallon (Richard Harris) e incluindo Charlie (David Hemmings), que morre ao tentar desativar um deles. Outro plano memorável é o dos dois homens em fundo totalmente vermelho, quando preparam a operação.
As horas vão passando e Fallon, mesmo com a ajuda à distância do seu mentor, Sid Buckland (Freddie Jones), tarda em resolver o problema. O que incita o comandante a reconsiderar a primeira opção. Eis que, subitamente, a polícia consegue compreender a coincidência identitária entre Buckland e Juggernaut, querendo força-lo a dar as orientações adequadas para que Fallon elimine o perigo à beira dele se manifestar. Compreendendo que o antigo amigo lhe está a dar as indicações erradas de forma a precipitar a explosão, Fallon age a contrario salvando o navio e os passageiros.
A ideia para o argumento baseou-se num caso muito semelhante ocorrido com o «Queen Elizabeth 2» em 1972, e começou por ter à frente da rodagem Bryan Forbes e, depois, Don Medford.
Richard Lester que estava em Espanha a concluir os dois filmes sobre «Os Três Mosqueteiros» foi contratado em desespero de causa e tendo pouquíssimo tempo para o concretizar. Mas isso não o impediu de, sentindo quão frágil era o argumento, logo o alterar. E, em seis semanas, tinha o filme pronto para passar à pós-produção.
Rodado a bordo do navio soviético «Maxim Gorky», quando acabara de mudar de dono - anteriormente era o alemão «Hamburg» - o súbito aumento do preço do petróleo fez com que o armador perdesse dinheiro com esse primeiro contrato.  Nas cenas ali filmadas Lester aproveitou para dar testemunho - quase ao jeito de documentário! - do quotidiano dos passageiros nessas experiências de lazer, incluindo os enjoos impeditivos de saborear as refeições ou os bailes de máscaras no salão principal.
Cumprindo o que dele se esperava, mormente com a salvação dos «bons» e o castigo do «vilão de serviço», Lester não deixou de inserir momentos divertidos, que contrabalançassem o suspense motivado pela iminência das explosões. Denotava, assim, um talento que a decadência do cinema inglês viria a desaproveitar condenando-o a incaracterística reciclagem nas produções televisivas.

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