quinta-feira, outubro 03, 2019

Diário das Imagens em Movimento: Ida Lupino num ciclo em curso na Cinemateca


Neste mês de outubro a Cinemateca tem estado a homenagear Ida Lupino, uma atriz, produtora e realizadora norte-americana, que caiu em imerecido esquecimento, apesar de conhecida pelo carácter determinado e independente a que não faltou a ousadia em abordar temas de que, na época, a indústria de Hollywood fugia como diabo da cruz: o adultério, a violação, o aborto, a bigamia.
Porque não era das atrizes mais vistosas da época davam-lhe os papéis, que dispensavam o aspeto decorativo e pressupunham a criação de uma personagem forte, mesmo que dividida entre pulsões contraditórias. Contracenando com alguns dos mais destacados atores do seu tempo ela a todos dava a devida réplica com personagens determinantes quanto ao que ditaria a ação.
A tentação de passar para trás da câmara surgiu cedo, mesmo que para isso tivesse de se tornar a própria produtora, nunca acedendo a orçamentos espaventosos. Os filmes, que assinou dão a entender o quanto poderiam ser êxitos mais significativos acaso não se visse obrigada a poupar nos cenários ou nos atores que conseguia contratar por cachets limitados. E, no entanto, todos merecem ser apreciados pelo que sugerem, mais do que mostram.
Curiosamente, sem disso se aperceberem, muitos terão assistido a demonstrações do seu talento nos trabalhos para televisão, nomeadamente na direção de muitos episódios da série Alfred Hitchcock apresenta.
De entre os filmes datados dos anos 30 e 40 estão três realizados por um dos grandes mestres da História do Cinema: Raoul Walsh.
«Artistas e modelos» estreou-se em 1937 e era uma comédia, que teve Vincente Minnelli na criação de um número musical para uma história que envolvia a organização de um baile e a eleição da respetiva rainha. Vária vedetas da rádio e da Broadway compareciam à chamada, entre as quais Jack Benny, que tomava conta do papel principal. E Louis Armstrong aparecia a liderar a sua orquestra, algo muito mal visto por exibidores da época, que ameaçaram boicotar o filme se essa cena não fosse cortada.
«O Último Refúgio» foi rodado em 1941 e contribuiria para a consolidação do sucesso de Humphrey Bogart que, só no ano anterior, conseguira livrar-se dos papéis secundários com o seu desempenho em «O Falcão Maltês». Baseado num romance policial de W.R. Burnett mostrava a preparação de um assalto liderado por um gangster apostado em conseguir a maquia suficiente para se poder reformar, mas tudo acabando por correr-lhe mal. Nem a rapariga por quem se apaixonara está disposta a aceitá-lo, nem a que ele aceitara como alternativa (Lupino) lhe facilitaria a fuga pela montanha onde o cercariam. O inseparável cão dela distrairia o fugitivo, pondo-o na mira do atirador de élite para ali destacado pela polícia.
Um dos filmes mais interessantes do ciclo é «The Man I Love», também de Raoul Walsh que Martin Scorcese tanto amou, citando-o explicitamente no seu «New York, New York». Lupino tem uma das suas mais expressivas interpretações no papel de uma cantora, que vai a Long Beach passar o Natal com as irmãs e acaba por se envolver com um mafioso.
E o ciclo tem ainda um dos filmes que mais me impressionou quando era miúdo: «O Lobo do Mar» de Michael Curtiz, datado de 1941. Adaptação do romance de Jack London, possibilitou a Edward G. Robinson um notável desempenho no papel de comandante da escuna «Ghost». Brutal, arrogante e, paradoxalmente, versado em leituras, colhera de Nietzsche colhera a ideia da amoralidade intrínseca à condição humana. Por isso comprazia-se em tratar sadicamente a tripulação até a levar ao motim. Pelo meio surgia uma delinquente escapada da prisão (Lupino) e um escritor, ambos náufragos recolhidos pelo navio sem adivinharem quanto esse aparente abrigo se converteria para eles próprios num verdadeiro inferno. E também por lá anda John Garfield, outro grande ator que nunca é demais recordar...

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