sexta-feira, outubro 11, 2019

Apontamentos nas margens das notícias: Um anúncio repelente e a razão para as caudas dos pavões


Do Libé retiro duas estórias interessantes, uma da vida real e a outra extraída das Metamorfoses de Ovídio.
No primeiro caso temos uma marca belga de hamburguers, que contratou uma agência publicitária holandesa para lhe arranjar anúncio apelativo. O resultado foi a imagem de um homem a socar a mulher, que lhe trazia para a mesa uma imitação não condizente com o que lhe pedira.
Nas horas seguintes à divulgação do anúncio a reação de quem a viu assumiu uma tal dimensão, que a marca envolvida em tão ostensiva banalização da violência sobre as mulheres  logo a retirou e apresentou desculpas públicas pelo sucedido. Por seu lado a agência autora de tal desaforo arrisca-se à condenação de avultada multa a somar à má fama que, enquanto marca, lhe ficará doravante associada.
Quanto à estória retirada do livro do poeta romano vem a propósito na altura em que Rui Moreira quer espalhar câmaras de vigilância na cidade do Porto, colidindo seriamente com a legislação sobre a proteção da vida privada dos cidadãos.
Conta Ovídio que Argus era um gigante dotado de cem olhos, que se revezavam entre abertos e fechados para lhe permitirem, ao mesmo tempo, descansar e vigiar Io, a amante de Zeus, que Hera transformara em vaca incumbindo-o de não lhe permitir o regresso à forma humana com a qual poderia voltar para os braços do pai dos deuses.
Só que Hermes conseguiu adormecer completamente o vigilante tocando-lhe a sua flauta, e aproveitando então para lhe cortar a cabeça. Acrescenta a mitologia que, se hoje os pavões têm caudas tão vistosas, é porque, compadecida, Hera nelas fixou os olhos do desafortunado Argus.
Os Moreiras de hoje deveriam ter em conta que, sujeitando os inocentes à sensação de se verem num Estado policial, nunca evitará que os culpados engendrem soluções para melhor contornarem os constrangimentos contra si imaginados.

Sem comentários: