sábado, outubro 19, 2019

Diário das Imagens em Movimento: Kenneth Feinberg, o advogado das catástrofes


Quando há catástrofes - devidas a fenómenos naturais ou a causas humanas! - as sociedades têm de se organizar para definirem as indemnizações devidas às suas vítimas. No caso dos incêndios de 2017 foi a provedora da Justiça a incumbir-se de tal matéria mas, nos Estados Unidos, a função tem sido atribuída a um advogado famoso - Kenneth Feinberg - que começou a carreira judicial como procurador e, durante muitos anos, serviu de consultor ao senador Ted Kennedy.
Foi sobre a sua personalidade, que Karin Jurschick rodou um documentário, inicialmente assertivo, porque empolando o inevitável mergulho no que a nossa civilização tem de pior, envolvendo muita cólera, frustração, raiva e outros sentimentos extremos. Nesse sentido até o compreendemos quando, nos primeiros minutos do filme, o vemos de tudo alhear-se para deixar-se imbuir pela música de Mahler ou Brahms. É que não se adivinha fácil a tarefa de atribuir um valor monetário a uma vítima mortal tanto mais que essa pessoa era tida como insubstituível por quem a amava. Daí que haja quem, beneficiando da indemnização, se sinta culpabilizado por tal circunstância. Mas, quase sempre existem sobrevivos, que têm as respetivas vidas, prosseguindo o pagamento das hipotecas contraídas em conjunto ou assegurando a educação escolar dos que ficaram órfãos.
Na difícil tarefa Feinberg depara-se com dilemas complicados: porque tem de valorizar a morte de um administrador com números bastante mais elevados do que a de um bombeiro, que acorrera às Torres Gémeas para o salvar? Não deveriam todas as vidas equivalerem-se perante a tirania da morte?
Há outras intervenções suas onde duvidamos da sua probidade, nomeadamente quando negoceia com camionistas reformados o corte nas suas pensões, porque o Fundo delas incumbido ficara comprometido com a crise financeira e deixara de ter recursos para satisfazer os compromissos, que se julgavam inalteráveis. Ou quando discutiu com os prejudicados pelo derrame da plataforma da BP, que explodiu no golfo do México, e definiu valores de indemnizações muito abaixo dos elevados prejuízos, dado ter sido para tal contratado pelo prevaricador. Ou ainda quando o governo incumbiu-o de definir tetos salariais máximos para as administrações dos sete bancos intervencionados logo a seguir à crise de 2008 e considerou a necessidade de lhes manter o padrão de qualidade de vida e de consumo a que estavam habituados no que constituiu um verdadeiro insulto para quem por eles fora prejudicado, perdendo o emprego ou, pelo menos, uma boa parte das retribuições.
Se de início até parecia fácil simpatizar com Feinberg, o final deixa-nos no polo oposto da nossa apreciação.

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