sábado, outubro 19, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «A Múmia» de Shadi Abd As-Salam» (1969)


Se falarmos sobre o cinema egípcio é inevitável referirmos Youssef Chahine, o seu mais reconhecido autor, com frequentes prémios nos grandes festivais internacionais e, em certa altura, o único a poder rivalizar com Manoel de Oliveira quanto à condição de decano dos realizadores em atividade. Quase ninguém lembrará Shadi Abd As-Salam, embora sobrem alguns entusiastas da única longa-metragem da sua lavra - A Múmia - que lhe garante lugar à parte nessa cinematografia periférica. João Bénard da Costa, que promoveu a sua exibição na Cinemateca, enalteceu-lhe o “prodigioso trabalho antropomórfico na fotografia”.
As-Salam nasceu em Alexandria onde formou-se em arquitetura, conhecimentos que, a par do design, utilizou habilmente no filme. Foram, igualmente, essas competências que o levaram a colaborar com o referido Chahine em Saladino , com Mankiewicz em Cleópatra e com Kawalerowicz em O Faraó.
Seria, porém, Roberto Rossellini quem teria maior importância na sua formação de cineasta, quando o tomou como colaborador essencial para a realização do episódio sobre a civilização egípcia na série A Luta do Homem pela sua Sobrevivência.
O realizador italiano trabalhou durante dois anos no projeto de A Múmia, que pretendia concretizar, quando aconteceu a Guerra dos Seis Dias e viu-se obrigado a voltar a Itália. Porque não viu forma de prossegui-lo deu-o a As-Salam para que lhe tomasse o testemunho.
O argumento nada tinha a ver com as histórias de maldições faraónicas vindas de além-túmulo, tal qual foram amiudadas vezes exploradas pelos estúdios de Hollywood. Pelo contrário baseava-se em acontecimentos reais ocorridos no decurso de uma expedição francesa ao Vale dos Reis em 1881 quando diversos objetos foram vendidos clandestinamente levando os arqueólogos egípcios a procurarem os túmulos dos faraós da XXI dinastia de forma a poupá-los às pilhagens. Poderiam então contar com a colaboração e Wannis, um membro do clã Abd el-Rasuh, dedicado a essa atividade ilícita, que ele enjeita por uma questão de princípio.
Apesar de ter conhecido um relativo êxito no ano em que foi lançado, não bastou para que As-Salam concretizasse outro projeto, que muito o seduzia: Akenaton.
Quando morreu em 1986 só conseguira rodar, com grandes dificuldades, mais três média-metragens, ficando um amargo de boca quanto ao que poderia ter-nos legado se melhor sorte tivesse tido para nos dar a ver mais amplas demonstrações do seu talento.

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