domingo, setembro 27, 2020

(EdH) Vestígios do Passado

 


 1. Assaz curiosa a reportagem que vi sobre Baïae, o refúgio dos imperadores romanos e outros cortesãos, quando queriam libertar-se dos espartilhos suscitados pela vida política na capital e espairecerem onde tivessem olhares menos críticos a vigiarem-lhes os pecados privados, habitualmente escamoteados pelas suas propaladas virtudes públicas. Situado na baía de Nápoles esse complexo de férias conheceu a presença de César e de Nero, de Brutus e de Cícero, compondo-se de mansões revestidas de mármores, mosaicos e frescos, e dotadas de água potável através de sofisticada rede ligada a aquedutos, também fornecedora dos estabelecimentos de banhos de vapor e dos viveiros de peixes.

Esplendorosa enquanto esteve emersa, Baïae ficou progressivamente debaixo de água, quando sucessivas erupções do Vesúvio provocaram um abaixamento geral da superfície dessa zona e a depositaram vinte metros abaixo da superfície em meados do séc. IV d.C.

Hoje os arqueólogos submarinos estão a estudar os 180 hectares de leito marinho onde permanecem os vestígios desse passado que, no deboche e desmesura, não deveria diferir muito daquilo que Fellini ilustrou no seu Satyricon. E procuram sinais do crime engendrado por Nero, quando se quis ver livre da mãe e cuidou de ali mesmo a assassinar.

 2. Não menos esforçados têm sido os trabalhos dos arqueólogos da universidade de Basileia que, desde 2011, andam a dar seguimento à descoberta então feita de novos túmulos no Vale dos Reis, quase todos do tempo do grande faraó Amenhotep III. E as questões são mais fáceis de estabelecer do que as respostas subsequentes. Por exemplo: porque aparece no mesmo espaço - o túmulo KV64 - a múmia de uma princesa dessa 12ª dinastia, acompanhada de outra da bastante posterior 22ª? O que terá justificado a reutilização do mesmo lugar de consagração da anterior defunta, porventura uma das muitas que tinham justificado a fama de Amenhotep III em como seria o faraó das mil esposas? E pertenceriam os restos mortais de cerca de noventa mulheres da época do mesmo faraó, encontrados na necrópole familiar KV40, a esse mesmo harém?

As prospeções que prosseguem no local visam aprofundar o conhecimento de quem comandou o Egito num dos seus períodos de maior fulgor, mandou edificar alguns dos mais imponentes monumentos de Luxor e teve a desdita de ver o seu túmulo funerário destruído ainda na Antiguidade na sequência de um terramoto. Melhor sorte teve o neto, Tuthankamon que, sem feitos dignos de nota a não ser o de pôr fim à revolução monoteísta do pai Akhenaton, chegou ao século XX em condições de dele se conhecer quase tudo quanto legou para o futuro.

 


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