quinta-feira, setembro 24, 2020

(DL) Quando Walter Scott visitou as Shetland

 


Entre viagens de lazer e as que me levaram a viver as graças dos mares durante duas dúzias de anos - embora tivesse a minha conta de furacões e grandes temporais! - conheci paisagens inesquecíveis, mas faltaram duas que me deixam frustrado por ainda as não conhecer: uma foi Nova Orleães, apesar de ter estado a menos de duzentos quilómetros dela numa estadia em Pascagoula, na vizinha Luisiana! A outra, a que verdadeiramente interessa ao que se segue, foi a Escócia. Nesta última gostaria de ter procurado o célebre monstro na plácida superfície de Loch Ness ou atentado nas mínimas correntes de ar ao visitar os castelos assombrados. Melhor ainda gostaria de ter imitado Burt Lancaster em Local Hero e, com o outono já avançado, ver as auroras boreais. Ou dar um pulo às Hébridas para escutar o mar tal qual Mendelssohn o reproduziu na opus 26, logo levando a aventura a latitudes mais elevadas, a essas Shetland onde Walter Scott chegou em 1814, aproveitando a boleia dos faroleiros, que iam substituir os colegas nas semanas de serviço, que lhes calhavam, podendo assim cumprir o desejo de melhor conhecer a Escócia natal por que sentia uma enorme afeição.

No diário, que escreveu sobre as semanas aí passadas, considerou melancólicas, selvagens e comovedoras as ilhas do arquipélago, nelas testemunhando tempestades furiosas enquanto deparava com falésias abruptas ou planícies despidas.

Infatigável caminhante, Scott fez um autêntico trabalho de antropólogo interessando-se pelas tradições e histórias da tradição oral, embora não lhe fosse impercetível a desconfiança de muitos dos camponeses por quanto ele lhes parecia estranho: embora a nacionalidade fosse a mesma, eles identificavam-se com as origens vikings, de que descendiam, menosprezando a que lhes era politicamente imposta.

Scott ainda não escrevera Ivanhoe e até só se tornara conhecido como poeta. Mas aquela viagem servir-lhe-ia de ponto de viragem, optando doravante por romances históricos. E um dos primeiros que publicou, O Pirata, decorreu da experiência ali vivida, mesmo que situando a história no século XVII. Nela incluiu dois forasteiros, pai e filho, que alugam a mansão, quase em ruinas de um antigo laird, meninas casadoiras  apostadas em encontrar amores enlevados, um grupo de piratas e uma feiticeira, que ajuda a premiar os bons e a castigar os maus.

A obra só teve uma versão portuguesa em 1953 naqueles livros de capas inigualáveis das Edições Romano Torres e nunca mais por aqui se fez lembrado. Na Escócia, porém, continua a ser lido, e até estudado. E digam lá se não era mesmo tentador seguir os passos de Mordaunt e de Norna, em paisagens não muito diferentes das que Walter Scott ali encontrou quando as viu há mais de dois séculos?

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