quinta-feira, setembro 10, 2020

(DL) De coisas de alcova e outras associadas


Epitome de pecados e tentações é o título do mais recente livro de contos de Mário de Carvalho, prosseguindo num ciclo, que causou alguma surpresa nos admiradores, quando o deu a conhecer em 2016 com Ronda das Mil Belas em Frol - o que se descortinou de puritanismo envergonhado em mentes que se tinham como abertamente intelectuais! -, mas que associa à sua fina ironia, a riqueza vocabular e a construção  rigorosa, depurada, ao tema dos encontros de alcova. Temos, pois, o sexo como fator comum a todas as histórias, ainda que ainda vá a meio do livro.
Em Fascínio temos o notário Augusto Reimão - muito cioso do estatuto de doutor no mau génio que manifesta para com as empregadas do lar onde vive os anos da velhice! - a recordar a inexplicável paixão, que desenvolvera por uma médica em tudo mediana: no nome (Vanda Sofia, quase como num engraçado sketch do Herman dos bons velhos tempos sobre as Cátias Vanessas!), na beleza e até nos dotes como médica. Nada justificaria a obsessão amorosa por ela desenvolvida, que o levaram a ser corrido da casa familiar, mesmo que a compensação fosse a de frequentar a cama da desejada criatura para coitos reconhecidamente menos satisfatórios do que com outras amantes. A explicação é a da sua incontornável pendência para uma relação manifestamente sadomasoquista, com ele a assumir o lado submisso.
Anos depois tivera notícia da sua morte e da possibilidade de a acompanhar na última viagem até ao sepultamento no cemitério. Ponderar-se-ia que o ter-se escusado a tal, indiciaria um ato de rebeldia. Mas qual quê? Motivara-o apenas o egoísmo de se não sujeitar a mais incómodos.
Para uma história com um certo moralismo - que não o bafiento dos cristãos e outros credos monoteístas! - Mário de Carvalho constrói frases que são um regalo por apetecer, amiúde, retroceder, para melhor fruir a sagaz construção de cada frase.
Hotel Azul, a segunda história, segue a mesma lógica, mas adotando agora vários personagens a circundarem os dois principais, Maria Mercês e Bártolo, dois seres maduros, que nunca vemos convergir em pressentido casal (as voltas que um leitor leva!), quando fogem dos seus assuntos  de negócios e das incómodas e exasperantes filhas, para encontrarem o repouso merecido num hotel de província. Embora atentem um no outro é com gente mais nova, que  reencontram os efémeros prazeres amorosos, que lhes dão a noção de estarem bem mais vivos do que o olhar dos outros pressuporia.
Em Entre Cá e Lá a narradora é uma dinamarquesa de férias em Portugal, momentaneamente sozinha pela ausência breve do marido, chamado por razões de negócios à terra escandinava. Sem quase nada fazer para que sucedesse, ela leva para a cama um daqueles zéscamarinhas, que olham para as estrangeiras como troféus depois de as levarem a vias de facto entre lençóis. Mas o desempenho do gigolo  revela-se dececionante. Gerda conclui injustificável a fama dos machos latinos. A terem-na só pode ser negativa.

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