Todos os contos da segunda parte do mais recente livro de Mário de Carvalho - Epítome de Pecados e Tentações - estão focalizados em protagonistas femininas, invariavelmente maduras e insatisfeitas, apostadas em colherem satisfação de relações quase sempre clandestinas, todas elas condenadas a frustrarem-se, porque os parceiros ficam muito aquém das expetativas. Assim sucede à emigrante no Luxemburgo que, quer no grão-ducado, quer em Lisboa, procura o prazer num amante que a leva a reagir de acordo com o título da história: Eu Não Sou um Capacho.
A narradora de Correr por Gosto tem um encontro derradeiro com a melhor amiga, antes de se mudar para os Países Baixos, transferida pela empresa para que trabalha e onde deu a volta a quase todos os machos disponíveis. Experiência bastante para concluir que, na hora de passar aos finalmente, os engatatões mais atrevidos viram invariavelmente cordeirinhos assustados.
Desilusão maior é a da professora e cientista de Claro Escuro, ao mesmo tempo muito interessada no esoterismo. Essa a razão porque decide cavalgar num conhecimento de ocasião só por ambos aparentarem grandes cumplicidades astrais. Mas o resultado é tão pífio, que o despacha num destempero de emoções, mal lhe dando tempo para se vestir e pôr-se porta fora.
Mónica, a antiga modelo e agora pequena empresária, que está em foco no conto crismado com o seu nome, também constata as parcas competências de alcova do parceiro de ocasião, vendo-se replicada pela desalentada viúva de O Homem que veio de longe no questionarem-se por que não sabem os homens dizer não, quando se sabem incapazes de se mostrarem à altura daquele tipo de circunstâncias.
Olga nem sequer tem ilusões: faz suceder intelectuais de diversos matizes pela sua cama - um poeta, um pintor e sabe-se de que outros talentos - mas sempre falhos naqueles que mais lhe importariam. No fim do ato todos levam ordem de marcha sem direito a regresso.
Em Rasoura a intrépida Marta decide apimentar a relação com o namorado entregando-se ao fetiche da depilação total, mas, em vez de o entusiasmar, vê-o tenso, decidido a cumprir a função ainda mais uma vez, mas não lhe voltando a atender o telefone a partir desse dia.
Abstraindo-se dessa formatação de ter uma protagonista como fulcro da história, Mário de Carvalho tem na única, que integra a terceira parte - O Auditor - uma lógica diferente por ser a história do enamoramento entre um procurador sexagenário, designado como auditor num ministério, e a madura doutora Alice com quem organiza uma escapadela furtiva com a ajuda de um dos colegas que, como todos os demais, assistiu, entre o divertido e o curioso, a essa crescente atração entre as crepusculares criaturas.
Como sempre sucede em Mário de Carvalho a leitura é um regalo, justificando a lenta fruição das frases e da riqueza lexical, abrindo a boca para um sorriso irónico nos momentos mais divertidos.
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