Há um par de semanas as coincidências na distribuição de filmes nos cinemas lisboetas fez com que se estreassem, quase em simultâneo, os que abordavam a trágica situação em que ficou Maria Adelaide Coelho da Rocha quando, em 1918, decidiu trocar o marido pelo motorista levando as sumidades psiquiátricas da época (mormente Egas Moniz e Júlio de Matos) a enclausurarem-na no manicómio, e o percurso de Marie Curie cujos amores com Paul Langevin foram motivo de escândalo em 1911 apesar do prestígio adquirido como cientista, anteriormente, consagrado com os Nobeis da Física em 1903 e o da Química nessa mesma altura.
Ordem Moral de Mário Barroso é interessante não só por proporcionar a Maria de Medeiros um encomiástico desempenho mas, também, por representar aquilo que a atriz designa como uma autêntica provocação dadaísta ao conservadorismo da sociedade portuguesa. De facto, oito anos depois da implantação da República só no formalismo das instituições políticas, o país entrara numa dinâmica progressista, porque pese embora o justificado anticlericalismo de muitos dos novos governantes e deputados, a rendição aos valores pregados pela Igreja continuavam a preponderar de Norte a Sul do país. Daí que Maria Adelaide tenha sido crucificada em nome de um tipo de família em que o homem era tido como o incontestado chefe. Nesse sentido Ordem Moral apresenta o corajoso combate de uma mulher demasiado frágil para levar de vencida as forças que, contra ela, se arregimentam.
Com Marie Curie passa-se o contrário e é essa a perspetiva dada pela franco-iraniana Marjane Satrapi, que adapta uma novela gráfica de Lauren Redniss para, em 1934, pôr a agonizante cientista, em sucessivos flash backs e fast forwards, a rever tudo quanto vivera, superando as dificuldades levantadas no sentido de a impedirem de ser quem era. Radioativo é um suporte visual diferente do que a realizadora utilizara no seu Persépolis, mas está lá a mesma matriz, o seu estilo identitário. E faz todo o sentido que uma mulher escapada do país dos aiatolas tome por tema um percurso de vida de quem jamais se deixou dobrar pelo machismo e cobardia dos homens apostados em menoriza-la.
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