sábado, setembro 26, 2020

(DIM) Percursos femininos

 


Há um par de semanas as coincidências na distribuição de filmes nos cinemas lisboetas fez com que se estreassem, quase em simultâneo, os que abordavam a trágica situação em que ficou Maria Adelaide Coelho da Rocha quando, em 1918, decidiu trocar o marido pelo motorista levando as sumidades psiquiátricas da época (mormente Egas Moniz e Júlio de Matos) a enclausurarem-na no manicómio, e o percurso de Marie Curie cujos amores com Paul Langevin foram motivo de escândalo em 1911 apesar do prestígio adquirido como cientista, anteriormente, consagrado com os Nobeis da Física em 1903 e o da Química nessa mesma altura.

Ordem Moral de Mário Barroso é interessante não só por proporcionar a Maria de Medeiros um encomiástico desempenho mas, também, por representar aquilo que a atriz designa como uma autêntica provocação dadaísta ao conservadorismo da sociedade portuguesa. De facto, oito anos depois da implantação da República só no formalismo das instituições políticas, o país entrara numa dinâmica progressista, porque pese embora o justificado anticlericalismo de muitos dos novos governantes e deputados, a rendição aos valores pregados pela Igreja continuavam a preponderar de Norte a Sul do país. Daí que Maria Adelaide tenha sido crucificada em nome de um tipo de família em que o homem era tido como o incontestado chefe. Nesse sentido Ordem Moral apresenta o corajoso combate de uma mulher demasiado frágil para levar de vencida as forças que, contra ela, se arregimentam.

Com Marie Curie passa-se o contrário e é essa a perspetiva dada pela franco-iraniana Marjane Satrapi, que adapta uma novela gráfica de Lauren Redniss para, em 1934, pôr a agonizante cientista, em sucessivos flash backs e fast forwards, a rever tudo quanto vivera, superando as dificuldades levantadas no sentido de a impedirem de ser quem era. Radioativo é um suporte visual diferente do que a realizadora utilizara no seu Persépolis, mas está lá a mesma matriz, o seu estilo identitário. E faz todo o sentido que uma mulher escapada do país dos aiatolas tome por tema um percurso de vida de quem jamais se deixou dobrar pelo machismo e cobardia dos homens apostados em menoriza-la.

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