Em 1610 Galileu publicou a sua obra maior: Sidereus Nuncius, mais conhecido como O Mensageiro das Estrelas. Nela relatava o resultado da sua observação dos astros com uma luneta demonstrando a veracidade da teoria de Copérnico a respeito do posicionamento do Sol e da Terra. Até então vigorara a perspetiva geocêntrica em como vivíamos no centro do Universo, mas as observações das estrelas e dos planetas revelavam-lhe a evidência de estarmos a rodar em torno do Sol.
A revelação tinha consequências problemáticas, porque os textos bíblicos e todos os correspondentes dogmas clericais assentavam na perspetiva, que a Ciência dava como errada. E sabe-se como o sábio foi forçado a abjurar a sua convicção para evitar o destino que a Inquisição já destinara a outra mente brilhante do seu tempo: Giordano Bruno queimado na fogueira em fevereiro de 1600.
Quem se interessa pelos livros antigos conhecia o de Galileu e sabia dele existir cerca de uma centena de cópias, espalhadas por diversas bibliotecas públicas ou particulares. Mas as primeiras páginas dos maiores jornais internacionais deram particular importância àquilo que aconteceu em 2005: fora proposto a um dos mais importantes antiquários de Nova Iorque a venda da edição original desse volume seiscentista. Com duas diferenças substanciais em relação às cópias conhecidas: na capa estava uma assinatura do próprio Galileu e, em vez das gravuras das outras edições, aquela tinha em formato de aguarelas as posições da Lua tal qual ele as vira. Ademais trazia a referência de provir da biblioteca pessoal de Federico Cesi, que fundara uma conhecida confraria a que pertencera o autor.
Embora muito bem impressionado com a qualidade do livro, que lhe propunham - por alguns já considerado como a Obra do Século - Richard Lan não quis correr riscos e pediu a uma equipa de especialistas, reconhecidos como dos melhores de então, para analisarem a obra e autenticarem a sua fidedignidade. Após morosa e rigorosa análise essa equipa, liderada pelo alemão Horst Bredekamp, convocou uma conferência de imprensa e deu a resposta tão esperada: aquele era, de facto, o livro original saído das mãos de Galileu. Abria-se a oportunidade para ele ser comercializado por centenas de milhares de dólares.
É o próprio Horst Bredekamp quem conta como se iniciou um dos dias mais negros da sua vida: acabara de acordar e preparava-se para iniciar o dia, quando ouviu na rádio a notícia sobre a fraude, que o livro em causa representava. Quem a desmascarava era um jovem perito inglês, Nick Wilding, que se debruçara sobre o exemplar, o analisara e, a par das capacidades das mais recentes impressoras, não teve grande dificuldade em demonstrar que os autores da vigarice tinham escanado uma das cópias conhecidas - subtraída da Biblioteca onde um deles fora diretor e donde tinham desaparecido vários livros valiosíssimos -, e tinham-lhe acrescentado aguarelas a copiarem as gravuras conhecidas bem como a assinatura que, de facto, Galileu tinha em 1633, quando autografara outra obra posterior, mas muito diferente da que seria a sua à data da publicação do Sidereus Nuncius.
Se a princípio Horst Bredekamp não quis acreditar no seu erro, as provas apresentadas por Wilding convenceram-no. E olhando-se para a identidade dos dois italianos, que tinham levado o livro a Nova Iorque para que Richard Lan o comprasse, destacava-se o nome de Massimo Di Caro, que pertencera aos governos de Berlusconi como assessor para a Cultura e fora por ele indigitado para a tal Biblioteca onde praticaria os roubos, que lhe valeriam sete anos de prisão.
Filmado como um thriller, dando voz aos protagonistas - quem descobriu a fraude, quem se equivocou, quem enganou e outros entrevistados capazes de situarem a importância da obra de Galileu, o filme de Pierre-Olivier François é excelente, não descurando uma das questões pertinentes em todas estas questões: porque se valorizam tanto os originais, quando as cópias podem possuir uma qualidade e importância aparentemente igual?
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