Já lá vão quase 43 anos desde que Pedro Bandeira Freire integrou este filme na programação do saudoso Quarteto interessando não só os cinéfilos, mas também os que haviam visto os cravos de abril fenecer e procuravam interpretações substantivas num filme, igualmente indefinido, porque marcado pela época em que foi rodado, enquanto decorriam os acontecimentos de 1968 nos campus universitários americanos, em Paris, em Tóquio, em Praga e até no Brasil sob a ditadura dos ídolos de Bolsonaro.
O próprio realizador passava por uma fase de grandes contradições: se se livrara das influências de Pasolini em La Commare Seca (1962) e parecera encontrar a voz própria no ainda assim muito stendhaliano Prima della Rivoluzione (1964), não consegue aqui evitar uma forma de filme à maneira de Jean Luc Godard. Nesse sentido Partner constitui um passo atrás, sem o interesse de outros filmes, que se seguirão: o notável A Estratégia da Aranha (1970) ou o epopeico Novecento (1976).
Como ponto de partida Bertolucci foi buscar um texto, que Dostoievski escrevera em 1846 - O Duplo - abordando-o como versão atualizada do mito de Dr. Jekyll e Mr. Hyde: Jabob, um estudante universitário, inventa um duplo extrovertido de si mesmo, superando a timidez numa forma que remete inevitavelmente para os estudos de Sigmund Freud. Mas também uma vertente ativista do ponto de vista político em contraponto com o seu acomodado conformismo.
Sendo militante comunista Bertolucci apimentou a história com referências marxistas, que se somaram às muitas citações cinéfilas, desfiladas numa história fragmentária, muitas vezes desconexa. A banda sonora de Ennio Morricone reitera essa sensação com trechos musicais muito curtos, à medida da duração das cenas e que a montagem se limitou a potenciar.
É curioso olhar para o filme como um reflexo do próprio Bertolucci por essa altura: se se libertara de um pai inspirador (Pasolini), não conseguiu voar pelos seus próprios meios sem recorrer momentaneamente a outro (Godard). Algo que superaria logo a seguir, até ser tentado pela megalomania ao jeito de Hollywood, revelando-se talentoso na exploração de impressionantes meios de produção no mais premiado dos seus filmes - The Last Emperor (1987) - embora sendo um daqueles que menos ostentariam a sua assinatura podendo ser concretizado exatamente da mesma forma por qualquer competente tarimbeiro dos estúdios norte-americanos.
A mais de meio século de distância, Partner arrisca-se a ser entendido como uma daquelas curiosidades, que só motivam os mais exacerbados dos cinéfilos. E, no entanto, se sujeito a um bom debate, subsequente, à sua apreciação, justifica animadas trocas de perspetivas sobre as relações entre a psicologia, a política, o tempo e o espaço. Ou sobre as crises, tendo em conta que as vividas na época em que o filme se situa, não eram mais intensas do que as de hoje com a aparente desorganização do mundo a motivar os personagens e a forma como quem os imaginou. Ou ainda sobre a vontade de fazer explodir as formas numa reflexão sobre as relações entre o público e o espetáculo.
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