Está nos cinemas lisboetas o filme de Don Cheadle sobre Miles Davis e que evita o que de pior têm os biopics: a estereotipada via de mostrar como alguém saiu das suas circunstâncias originais, as do ambiente em que nasceu e cresceu, para alcançar a notoriedade devida ao seu talento. Nesse sentido costumo olhar sempre com desconfiança para aquelas legendas iniciais de muitos filmes, que afiançam tratar-se de uma “very true story”. Trata-se de vigarice certa.
A realidade muito raramente condiz com a estrutura narrativa dos filmes pelo que os argumentistas acabam sempre por a modificar de acordo com o ritmo ficcional necessário à criação da sucessão de expectativas e da sua progressiva resolução até ao desiderato final.
Don Cheadle considerou, e muito bem, que a obra de Miles Davis não se coadunava com tal cânone. É que, depois de se tornar num competente instrumentista dos mais clássicos standards do género, ele desestruturou-os com as suas propostas que configuraram muito do que se designaria como Free Jazz. Por isso a vida de Miles é vista como um conjunto de momentos sem um fio cronológico: mais do que o homem, Cheadle está interessado em homenagear a sua obra.
É certo que a presença de Ewan McGregor no elenco só se justifica com a necessidade de criar um (inexistente na realidade) personagem branco, que facilitasse o financiamento de alguns investidores numa produção deles tão carecida. Mas, no essencial, Miles tem aqui um merecido tributo.
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