“Éramos tão diferentes, anos atrás, no limiar de tudo. Olhávamos para os adultos e o seu pobre mundo com a certeza de que encontraríamos outros significados, outros modos, outros sentimentos. Afinal a diferença era só a expectativa que sempre habita os jovens. Como dizer-lhes, ao marido, ao amigo: olhem, o tempo da expectativa possível passou, a nossa vida é isto, já somos grandes, já chegámos ao nosso destino, e afinal não há mais nada, nada…”
Este trecho que encontramos na página 183 de «Chão Salgado», livro de Isabel Barreno, dá-nos a chave para um melhor entendimento de uma obra, que transita entre o quotidiano de uma escritora em part-time e o romance, que se esforça por construir.
É também o testemunho de uma geração, que viveu durante muitos anos no fascismo, criou ilusões de Utopias desmentidas pelas realidades e, chegada à maturidade viu-se sem grandes sentidos para justificar a própria existência. As relações familiares são insatisfatórias (com o marido), desagradáveis (com a sogra) ou inquietas (com o filho acometido de crises de epilepsia) e a escrita funciona como uma forma de, através de personagens fictícias, encontrar soluções para as angústias do dia-a-dia.
Poderia haver outras soluções e esses alter egos até as procuram num livro - o do Velho - mas nenhum traz as panaceias para esse permanente estado de desprazimento. Trate-se da Bíblia ou do Capital.
Lembrando o poema de Drummond, se chegou a haver festa, ela há muito se finou, deixando à deriva os que a teriam desejado permanente. Por isso a narrativa criada por Graça é confusa, desestruturada, esforçando-se ela por lhe encontrar o fio condutor da coerência. Que só encontra quando a ajusta em cada um dos seus momentos com os por si vividos durante essas semanas.
É esse o interesse maior deste título de Isabel Barreno: por muito que conflitue com a nossa intrínseca condição de leitores apostados em encontrar nas prosas alheias as próprias chaves que nos ajudem a desenlear os nossos próprios novelos.
Sem comentários:
Enviar um comentário