«Peixe torcido no Connecticut» surgiu, pela primeira vez publicado na revista «The New Yorker» em março de 1948 e é elucidativo quanto à visão do autor sobre a classe média suburbana, que começava a tornar-se dominante na imposição dos seus valores ao conjunto da sociedade americana do pós-guerra. É que, se outrora tinham imperado os sentimentos generosos da solidariedade, agora a anfitriã da casa, onde tudo se passa, revela-se egoísta, maledicente e até perversa na forma como trata a empregada.
O conto começa com Mary Jane a visitar Eloise, quando os compromissos profissionais a levam a passar perto da casa da amiga com quem partilhara o quarto no tempo em que ambas tinham frequentado a Universidade. A intenção teria sido a licenciatura em enfermeiras mas nem uma nem outra tinham concluídos os estudos até alcançarem o respetivo diploma.
Nas horas seguintes, entre cigarros e muitos whiskies, partilham recordações com o fio condutor a ser conduzido pela anfitriã. Ela recorda colegas e professoras para as quais não poupa as palavras maledicentes e, já muito bebida, recorda Walt, aquele a quem verdadeiramente amara, e morto numa explosão acidental durante a guerra.
Quanto a Lew, também militar, a opinião não é a mais complacente: fizera-lhe crer que lera e adorara os livros de Jane Austen e afinal só passara os olhos por um romance onde quatro tipos haviam protagonizado uma tragédia no Alaska. Depressa a ilusão de uma conjugalidade feliz se lhe desfizera...
Durante esse longo conciliábulo etílico aparece Ramona, a filha de Eloise que, além de quase cega, faz-se sempre acompanhar de um amigo imaginário, primeiro Jimmy, depois Mickey, quando aquele “morre” atropelado em frente à casa.
Numa história exclusivamente protagonizada por mulheres, existe uma similitude entre esse amigo imaginário de Ramona e o culto mantido por Eloise a Walt, esse namorado só idolatrado nas qualidades, quando visto à distancia da sua recriação mental.
Com Mary Jane a curar a bebedeira no sofá a criada negra, Grace, vem pedir à patroa para que lhe permita a estadia do marido no seu quarto durante a noite, porque a tempestade não lhe permitirá regressar à cidade, mas Eloise dá então uma prova insofismável do carácter, que já lhe adivinhávamos: “A minha casa não é um hotel!”.
Ao ver a amiga acordar, ela, porventura confundida com o tipo de pessoa em que se tornara, pergunta-lhe: “eu era boa rapariga, não era?”
Quando a história foi publicada os produtores de Hollywood assediaram Salinger para que lhes permitisse a adaptação ao cinema. Face ao valor generoso oferecido o autor aceitou, mas depressa se dissociou da redação do argumento ao vê-lo transfigurado para obedecer aos cânones vigentes nos filmes de então. E, surpreendentemente, esse «My Foolish Heart» de Mark Robson até ganhou dois Óscares no ano seguinte, um para Susan Hayward como atriz e o outro para a canção-tema.
Para Salinger a experiência serviu-lhe de lição: nunca mais permitiu que obra sua fosse sujeita aos mesmos tratos de polé.
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