Michael Sandel anda a converter-se na grande estrela da Filosofia Política norte-americana.
«Justice», o seu recente best seller, utiliza muitos dos temas abordados na suas aulas em Harvard. E esse sucesso decorre da capacidade para transmitir as ideias aos leigos, sem os tiques de muitos dos seus colegas, que «complexificam» propositadamente o discurso na expetativa de ganharem estatuto tanto mais convincente, quanto menos se consigam fazer entender.
À partida comecei por olhá-lo com muito interesse, ao vê-lo defender que a sociedade deverá organizar-se em torno de valores morais como a solidariedade ou o altruísmo. É que a neutralidade ética invocada pelo pensamento liberal - no que isso significa nos EUA -, decorrente do desejado alheamento do Estado relativamente à preferência religiosa dos cidadãos, dispensá-lo-ia assim de promover os valores cívicos relacionados com a defesa do interesse coletivo. Ora Sandel defende que o Estado deve incitar os cidadãos a tornarem-se melhores pessoas, validando essa tese em função de três grandes grupos de razões éticas.
O primeiro assenta no utilitarismo segundo o qual contam prioritariamente as consequências positivas ou negativas do que fazemos, independentemente das intenções ou grandes princípios, que nos tenham motivado.
O segundo, kantiano, secundariza as consequências, porque faz prevalecer as intenções, sobretudo a satisfação do principio de nunca tratar alguém como uma mera alavanca para chegar a algum lado.
O terceiro, aristotélico, desvaloriza intenções e consequências, porque realça o que a pessoa é verdadeiramente: meiga ou cruel, generosa ou egoísta, etc. Aristóteles afirmava que o importante era cada um cultivar em si a virtude.
Sandel considera que as nossas intuições morais tendem a contrariar as razões utilitaristas e kantianas. Perante a população, disposta a linchar um inocente, estaríamos disponíveis para lhe colocar o laço ao pescoço como sugeririam as primeiras? Ou recusaríamos a utilização da mentira face a quem nos viesse perguntar sobre o paradeiro de um amigo escondido em nossa casa, como seria a opção dos defensores das segundas?
Por isso Sandel é um entusiasta das razões aristotélicas, contrariando Rawls, que sempre defendeu a primazia do Justo sobre o Bem. Para ele é o Bem que deve sempre estar no topo das nossas prioridades.
Mas o que é o Justo e o Bem?
O Justo diz respeito à nossa relação com os outros que devemos construir na perspetiva do almejado equilíbrio. O Bem é mais pessoal, porque constitui o estilo a adotarmos para termos uma «boa vida»: hedonista ou ascética, nómada ou sedentária, individualista ou orientada para o bem coletivo.
Sandel pega nesta distinção para defender que as ideias do Bem ou da «boa vida» devem inspirar os nossos conceitos sobre o que é Justo. A Justiça seria, então, a expressão de uma preocupação com o bem comum.
Ora, nesta altura em que o individualismo é apontado como o responsável pelos males de toda a sociedade, a ideia de bem comum é o critério mais sedutor do que significa Justiça.
É aqui que os propósitos de Sandel se tornam mais equívocos, senão mesmo mais perigosos: é que enquanto Rawls apontava a imposição estatal de uma determinada conceção do que seria uma «vida boa» como coerciva e ilegítima por se aproximar das tentações totalitárias, ele recusa o relativismo do bem e enquadra-o num formato conservador de valores. Não nos podemos, assim, surpreender que tome posições indefensáveis contra o direito a abortar ou de casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Às vezes ideias muito aparatosas, embrulhadas sob a aparência de grande modernidade, escondem em si os conceitos mais retrógrados.
Vade retro, Sandel!
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