Não fossem os rigores estivais, que quase nos tiram o fôlego com a falta de ar das temperaturas à beira dos 40ºC, e valeria a pena ir a Madrid ver a exposição promovida pelo Museu do Prado para revelar as obras do pintor flamengo Hieronimus Bosch. Mas outro motivo dissuasor de tal hipótese está nas filas de visitantes, que testam a sua paciência até chegarem às bilheteiras.
Num artigo interessante publicado no «Libération» de dia 29/7, coloca-se a questão de se distinguir um quadro verdadeiro de um falso, trabalho rigoroso de análise promovido pelos historiadores de arte inseridos no Bosch Research Project.
Segundo Frédéric Elsig a análise não se cinge aos raios X ou à do tipo de madeiras, que servem de suporte às telas. Na forma como estão representadas as orelhas das personagens ou os incêndios em segundo plano, é possível distinguir o que foi obra de Bosch ou de um dos seus seguidores ou imitadores. Nesta altura estão validados como autênticos apenas vinte e um quadros e vinte desenhos. Alguns dos que chegaram a ser-lhe atribuídos foram afinal criados pelos assistentes, que lhe davam apoio no seu atelier.
O verdadeiro nome de Bosch era Hieronimus Van Aken e o pseudónimo explica-se como sendo o sufixo do nome da terra onde nasceu entre 1450 e 1455. A morte ocorreria em 1516, razão porque se comemora este ano o sexto centenário de tal desiderato.
Conhecido como pintor extravagante teve grande sucesso em vida, sendo muito apreciado, copiado e imitado. No século seguinte houve quem o dissesse apostado em ver os homens a partir do respetivo interior em vez do seu lado de fora, dando suporte artístico às preocupações moralizadoras da Contra-Reforma. «O Jardim das Delícias» mais não seria do que a representação dos vícios, que deveriam ser duramente reprimidos.
Na realidade Bosch criara o quadro com base numa interrogação teológica: “o que teria sido o mundo se o homem não tivesse pecado?”
Trata-se, pois, de uma Utopia, um mundo extraordinário onde os homens e as mulheres entregavam-se aos prazeres sem quaisquer reservas morais. Só que o painel da direita ilustra o inferno em que se convertera o presente com todos os objetos artificiais, que ganharam estatuto de imprescindibilidade: as armas, os instrumentos musicais, etc.
Não havia, pois, nenhum propósito moralizador no tríptico até por ele ter sido encomendado por Henrique de Nassau, que fizera construir no seu palácio uma cama para trinta convivas sempre disponíveis para festas boémias muito bem regadas.
Apesar desse sucesso efémero, Bosch cairia no esquecimento até voltar a ser revalorizado a partir da segunda metade do século XIX.
Para Elsig ele “é um pintor mais problemático do que outros por ter misturado no tempo um conjunto de obras muito heterogéneas com base na iconografia”. E não faz sentido vê-lo como um precursor do movimento surrealista como o pretenderam alguns dos parceiros de Breton, pois mais não fez do que corresponder à evolução do gosto artístico da época, decidido a romper com os rígidos códigos artísticos praticados até então.
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