terça-feira, junho 02, 2015

PLANOS CRUZADOS: A História em duas fotografias separadas por mais de trinta anos

É uma bela história a que o «L’Obs» desta tarde publica, ilustrada por várias imagens do fotógrafo chileno Rodrigo Gomez Rovira, que está atualmente a expor os seus trabalhos no Festival ImageSingulières em Sète.
É ele mesmo quem explica o que se vê na fotografia ao lado: “A imagem data de setembro de 1972. Nesse dia íamos de carro a caminho da casa da minha avó, quando a minha mãe viu Salvador Allende a atravessar a rua.”
Tratava-se do presidente da República, eleito democraticamente em 1970 e que ainda perduraria mais um ano no cargo até ser derrubado pelos golpistas liderados por pinochet.
“Os meus pais eram apoiantes da Unidade Popular, pelo que a minha mãe ficou entusiasmadíssima por o ver. E pediu-lhe: ‘Camarada, posso tirar uma fotografia consigo?’. Sem lhe responder, ele atravessou a rua e propôs em alternativa participar numa fotografia com a família. Ele estava todo elegante, porque ia visitar as freiras de um convento vizinho como era seu hábito na véspera da festa nacional.
Descemos, então do 4L. Um senhor com um pulôver vermelho, que ia a passar, também se aproximou com a filha e pediu para participar. E coube ao meu pai captar a fotografia, já que tinha sempre a máquina ao alcance da mão, já que era um apaixonado pela arte.”
Quando a ditadura se implantou, a casa dos Rovira foi invadida pelos militares, porventura denunciados por vizinhos, tentados pela recompensa de 500 mil escudos - o equivalente a três anos do salário de um operário - atribuível a quem denunciasse simpatizantes marxistas.
Se o pai Raul nada tinha a temer por estar então em França a acompanhar, enquanto produtor, uma tournée de artistas latino-americanos, a mulher Consuelo é levada para interrogatório já que encontram-lhe a fotografia captada com o falecido presidente.
Dias depois é libertada na condição de partir imediatamente do país com os filhos. 
Para toda a família Rovira o exílio em França dura enquanto o país natal continua sujeito à ditadura de Pinochet.
Em 2006, quando Rodrigo convence o pai a expor as suas fotografias em Santiago reencontra o desconhecido do pulôver vermelho, que, trinta e um anos antes, pedira para integrar a fotografia com Allende.
A ideia para a fotografia mais recente logo surgiu e concretizou-se com Raul a captar os mesmos participantes:  o homem do pulover e a sua filha, Rodrigo, a mulher e o filho mais novo. O único que não está vivo é Salvador Allende. Ou estará, tendo em conta o carinho e a admiração, que a sua memória despertam nos que, episodicamente com ele posaram numa tarde de setembro de 1972?

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