Embora aos onze anos ainda não tivesse a atenção focalizada na política, - que começaria a manifestar no ano seguinte, quando a compra da revista «Vida Mundial» seria quase uma espécie de epifania -, não me passou despercebida a fuga para o Ocidente da filha de Estaline. O que só se pode explicar por a televisão salazarista ter dado grande destaque à notícia e tê-la ouvido no intervalo das minhas brincadeiras.
Na época não senti grande simpatia pela fugitiva: vivia num ambiente que, se não hostilizava propriamente o regime, também a ele não manifestava qualquer adesão. Daí a um par de anos, enquanto ia acompanhando-lhe o desempenho de marionete ao serviço do imperialismo, passei a antipatizar com esse posicionamento, que via como indesculpável traição à causa soviética. Vivia então o início de uma consciencialização política, que me traria irreversivelmente para as ideias de esquerda.
Agora, quase cinquenta anos passados sobre essa mediática fuga, um documentário sobre quem ela foi interessa-me para melhor me informar sobre acontecimentos para os quais adotei precocemente empatias e antipatias sem ter todos os dados necessários para as fundamentar.
A proposta de Jobst Knigge tem, ademais, o mérito de situar Svetlana como personagem secundária de uma evolução histórica onde mais facilmente se deixou arrastar do que quis condicionar.
Nascida em 1926 ela foi a única filha de Estaline, que já era pai de dois outros rapazes. Após a infância passada na gaiola dourada, que era o Kremlin, um conjunto de sucessivas vicissitudes leva-a a romper com a herança paterna. Isso ocorreu após ter assistido a muitos desaparecimentos e encarceramento de gente que conhecia. A começar pela mãe, cuja morte foi anunciada como causada por disenteria, mas mais provavelmente suicidou-se ou foi morta devido aos seus crescentes desentendimentos com Estaline. Mas também vira o namorado, Alexeï Kapler ser condenado ao goulag, por se ter atrevido a imaginá-la sua.
Com a morte do pai, em 1953, ela é intensamente vigiada pelo KGB, o que a não impede de aproveitar uma deslocação à Índia para solicitar asilo político na embaixada norte-americana em Nova Deli. Foi em 1967, ano em que os seus anfitriões estão a bombardear intensivamente os campos de cultivo vietnamita.
Muito embora decida regressar a Moscovo para uma breve reconciliação com o país, que enjeitara, é nos Estados Unidos que passará o resto da sua vida, chegando a adquirir a respetiva nacionalidade.
A questão a que o documentário procura pretende dar resposta é: como existir e construir-se, quando se é filha de um ditador?
Testemunham familiares, amigos, conhecidos e escritores que lhe traçaram a biografia. E utilizam-se imagens de arquivo, que ilustram na perfeição uma estranha forma de vida...
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