“Os gestos de cortesia e reconciliação valem sempre a pena, mesmo que a separação tenha de acontecer mais cedo ou mais tarde. Pergunto-me se, nas circunstâncias em que pessoas como eu vivem agora, esses gestos não serão mais valorizados, e deliberadamente procurados, do que casamentos à antiga, nos quais o amor e os ressentimentos podiam desenvolver-se subterraneamente, tão confusos e obstinados, que deviam parecer estar ali desde sempre.”
É assim que se conclui «O Progresso do Amor», o primeiro dos contos de Alice Munro a figurar na antologia homónima publicada pela Relógio de Água depois da escritora ser galardoada com o Nobel da Literatura em 2013.
Confesso que não fora esse reconhecimento da Academia Sueca e dificilmente me teria aproximado da escrita da autora canadiana conhecida, sobretudo, pela sua atividade de contista.
Este primeiro contacto nem me entusiasmou, nem me desagradou de todo. Diria que me fez manter a expectativa para os contos a ler a seguir.
Neste temos uma narradora chamada Euphemia, como a sua avó materna, mas que se tornara conhecida como Fame por ser nome bem mais agradável para colar-se á sua identidade. Mesmo arriscando impertinências como a de um rapaz, que um dia lhe perguntara a razão para ser famosa.
Agora, ela parte para a evocação da família estimulada por uma notícia abrupta: “Foi pouco depois de me ter divorciado e ter começado a trabalhar no escritório da imobiliária”, que o pai lhe telefonara para lhe dar conta da “partida” da mãe. Eufemismo para designar a sua morte súbita.
Apesar de ter sido professora primária, a defunta fora uma mulher muito religiosa, inflexível no dever de rezar três vezes ao dia, e não se preocupando muito com o futuro da filha a quem sonegara os estudos secundários ao destiná-la ao papel de dona-de-casa, quando casasse.
Inconformada, Fame saíra de casa aos quinze anos, empregara-se num restaurante para financiar os estudos noturnos, que a habilitariam aos diplomas de contabilidade e datilografia e, posteriormente, à credenciação como agente imobiliária.
Mas essa mãe não deixara de lhe causar alguma admiração por, mesmo vivendo modestamente, ter queimado os três mil dólares recebidos de herança do progenitor por o odiar. Ou a avó, que gozava com a família, fingindo enforcar-se no celeiro.
Na mistura de tempos, de personagens e valores, tem de se reconhecer alguma complexidade nesta história, que assinala a diferença entre conceitos amorosos em duas épocas distintas da vida da narradora.
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