Na semana passada soube-se que o cubano Leonardo Padura foi galardoado com o mais importante galardão espanhol: o Prémio de Literatura Princesa das Astúrias. Trata-se de justo reconhecimento para um escritor, que nunca abdicou de viver no seu país e do qual tem traçado um retrato sem concessões.
Contrariando uns quantos exilados, que se queixaram de não possuir condições para prosseguir a carreira literária sob as limitações impostas pelo regime castrista, Padura tem demonstrado que, não só isso é possível, como até contribui para o ver forçado a refletir sobre as contradições das suas políticas.
Em «Morte em Havana» («Mascaras» no título original), que acabei ainda agora de ler, o género policial serve de pretexto para uma crítica contundente a muitos dos problemas do regime.
Logo de início encontramos o detetive Mário Conde a viver numa semi-suspensão por ter sido considerado indisciplinado: incapaz de se acomodar à bajulação da hierarquia e ao uso de vestimenta conformada com o estado das coisas, ele adivinha um futuro problemático numa profissão ainda assim capaz de o entusiasmar.
Quando lhe voltam a atribuir a investigação de um caso sórdido - o assassinato de um travesti num bosque de Havana - Conde agarra a oportunidade com a determinação de quem se sabe ameaçado de não voltar a ter mais nenhuma. E faz de um velho dramaturgo homossexual, Alberto Marqués, o seu guia para conhecer melhor um universo que os seus preconceitos tenderiam a execrar.
Há uma razão para essa opção: até aparecer de vestido vermelho no local onde fora encontrado, Alexis tinha vivido com aquele intelectual autoexilado na residência onde Conde encontra uma biblioteca exuberante.
Conde acaba por esquecer o seu machismo visceral e sentir um fascínio crescente pela cultura do novo amigo, muito embora adivinhe os dissabores a que se sujeite devido ao ideário antirrevolucionário que lhe podem assacar.
E conhece, assim, os subterrâneos de uma Havana decadente onde são diárias as festas em que a boémia e os costumes mais dissolutos dão as mãos. Ele, que há muito vivia as agruras do celibato, acaba na cama de uma rapariga muito jovem, mas com uma experiência sexual donde se excluem todos os limites da moral dominante.
O detetive mergulha assim num mundo sensual e transgressor onde se realçam as misérias e grandezas de Cuba nesse ano de 1989, que se tornaria bastante relevante por ser aquele em que, implodido o império soviético, Fidel teve de encontrar arte de sobreviver à condição de se ver convertido no único ainda a manter elevada a flâmula de uma versão fracassada do ideário comunista.
Após pistas que conduzem a nenhum sítio e outras que pareciam sem nexo e se tornam particularmente relevantes, Conde descobre o assassino: o próprio pai de Alexis, um prestigiado dirigente do regime cujos ardores revolucionários nos finais dos anos 50 tinham sido por ele fraudulentamente inventados. E, demonstra-o Padura: os mais fanáticos representantes da ideologia são precisamente aqueles que a ela mais tardiamente chegaram, eivados de um indisfarçável oportunismo.
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