terça-feira, junho 09, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Madeirenses Errantes» de Ferreira Fernandes (IV)

Foi logo na minha primeira abordagem aos Estados Unidos, que encontrei portugueses aí radicados. Corria o ano de 1978 e integrava a tripulação de um petroleiro da Soponata, que carregara na Líbia, atravessara o Atlântico sempre com a tempestade a sacudi-lo e aportara a Elizabeth, área dos subúrbios de Nova Iorque onde, ulteriormente, veria passar-se grande parte da ação da série «Os Sopranos».
O navio atracou no meu turno, entre o meio-dia e as quatro da tarde, e tão só passada a escada de portaló, eu e o Zé Raio, um fogueiro que comigo trabalhava, decidimo-nos a procurar o American Portuguese Club que o piloto local anunciara ficar ali perto.
Desconhecíamos que o «perto» no conceito americano, media-se em milhas e quando percorridas de carro, já que levámos duas boas horas a palmilhar ruas e estradas até darmos com o tal objetivo.
Até à partida para nova viagem não nos faltou mais apoio dos emigrantes ali encontrados, todos eles orgulhosos das suas origens e do que tinham conquistado entretanto à custa de muito labor, mas igualmente generosos na disposição para nos fazerem aproveitar o melhor possível a estadia.
Os descendentes dos que tinham partido da Madeira em 1845 para, depois de uma passagem efémera pelas Caraíbas, desembocarem em Jacksonville ou em Springfield, no Illinois, foram visitados por Ferreira Fernandes para darem o testemunho das suas origens para o livro dedicado a essa diáspora muito específica. E quase todos tinham, ao mesmo tempo a mesma curiosidade e orgulho pela identidade lusa de que se continuavam a reclamar.
Passados mais de cento e cinquenta anos muitos dos nomes já sofreram uma deturpação, que mal os associa aos apelidos originais, mas nos usos e costumes mantém a herança nunca abandonada, quer quanto à sua religiosidade - embora a exemplo dos esquerdistas se tenham dividido durante algumas décadas entre sucessivas igrejas presbiterianas em função do maior ou menor rigor no cumprimento dos respetivos valores - quer na própria gastronomia, onde a sopa portuguesa ou o buxo mantiveram estatuto incontornável de pratos preferidos.
Na sua investigação Ferreira Fernandes teve outras descobertas singulares: a existência de sindicalistas aguerridos, que sofreram - nalguns casos com a deportação - o indesejado retorno da sua determinação em obterem maior justiça e igualdade. Ou a interação com a família de Abraham Lincoln antes dele aceder à Casa Branca: uma das suas criadas era Frances (provavelmente Francisca Affonso), a costureira incumbida do vestido de Mary Todd para a cerimónia da investidura presidencial também tinha nome luso, como acontecia, aliás, com uma família de comerciantes a quem o advogado costumava emprestar dinheiro a troco de juros.
Apesar da passagem do tempo, o jornalista encontrou quem lhe emprestasse fotografias da época e que dão rosto às personalidades sobre cujo destino se debruça.
É claro que houve miscigenação com famílias de outras origens, que foram reduzindo a importância do lobby luso na região. Mas a sua importância continua a declarar-se na toponímia de algumas cidades e nas histórias e lendas ainda a transitarem de geração em geração.

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