Não costumamos ver as coisas como são, mas em função das etiquetas, que lhes são coladas.
Por exemplo um epicuriano tende a ser visto como uma pessoa anafada e prazenteira, sempre disponível para colher da vida o que mais se coaduna com o que lhe agrada. E, no entanto, Epicuro era um asceta!
Maquiavélico costuma ser associado a atitudes malévolas. Mas o verdadeiro Maquiavel era um homem, que preferia ver a realidade do que aceitar uma perspetiva idílica sobre os comportamentos humanos.
O cartesiano é visto como aquele que substitui Deus pela Razão. E, no entanto, Descartes faz precisamente o contrário nas suas «Meditações Metafísicas».
Com Darwin aconteceu algo de semelhante a propósito da versão simplista da sua teoria sobre a suposta lei do mais forte. Ideologias repugnantes como a da escravatura, do racismo ou do nazismo encontrariam nela fundamento para se justificarem. E nós seríamos tentados a aceitar a ideia conformada em como gostaríamos que o mundo não fosse assim, mas constituindo essa a realidade. Uma espécie de remake daquela fórmula hipócrita da sociedade vitoriana em como se aceitariam verdades, desde que delas não se falasse.
No entanto Darwin não diz propriamente que seja sempre o mais forte a prevalecer. Senão ainda viveríamos na época dos grandes dinossauros. O que defende é que, em certas condições, só sobrevivem os que possuem as características mais adaptáveis às transformações em curso.
Ao contrário do que pressupõem os criacionistas uma girafa não tem um pescoço comprido, porque o Criador também tratou de arranjar árvores com ramos muito elevados, mas por terem progressivamente alongado essa parte do corpo e alcançarem assim as folhas mais tenras.
Continuista por natureza, Darwin acreditava numa lenta alteração dos seres de forma a melhor aproveitarem as oportunidades de sobrevivência suscitadas por tudo quanto os rodeia. São as diferenças entre os indivíduos da mesma espécie que, ao longo de um prazo prolongado, os habilita a melhor existirem.
Darwin até demonstrou a falsidade dessa superioridade inevitável dos mais fortes ao referenciar o amor maternal e paternal: os seres frágeis à nascença sobrevivem graças ao instinto protetor dos progenitores. Por isso mesmo, o próprio Darwin foi sempre um tenaz opositor do colonialismo, da escravatura e do racismo. O eugenismo ou a errónea fórmula de um suposto «darwinismo social» merecer-lhe-iam decerto a mesma condenação. Mas não se conseguiu livrar de uns «herdeiros», que deram uma versão perversa do que defendeu. Aconteceu o mesmo com as religiões: podem defender o amor entre as pessoas, que, logo à sua pala, surgem uns criminosos capazes de nelas justificarem os instintos homicidas.
Na realidade, ninguém é responsável pelo comportamento de quem lhes reivindica a sucessão...
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