terça-feira, junho 25, 2019

(DIM) «Paula» de Christian Schwochow (2016)


A História da Arte tem sido injusta com as numerosas artistas, que despontaram na segunda metade do século XVIII e viriam a afirmar-se já no século XX como tendo talento de sobra para equipararem-se com os colegas masculinos do mesmo ofício. Nos últimos tempos têm-se repetido os esforços para consagrar Berthe Morisot como um dos maiores expoentes do Impressionismo, mas muitas outras pintoras e escultoras estão por redescobrir.
Apesar de conhecida na Alemanha, onde até existe um museu a ela exclusivamente consagrado, Paula Modersohn-Becker é uma dessas artistas quase desconhecidas. Razão, que justifica o biopic de Christian Schwochow, mesmo tratando-se de obra enxuta sem grandes rasgos de brilhantismo e com exagerada liberdade criativa no respeito pelos factos. Sabe-se, por exemplo, que Paula alternou diversas estadias em Paris com outras em Worpswede, mas o realizador redu-las a uma só. Não é, igualmente, verdade que a primeira mulher de Otto Modersohn tenha morrido de parto em 1898, já que viria a falecer dois anos depois de ter dado à luz Elsbeth.
Aceitem-se esses atropelos à verdade dado respeitarem-se os demais factos relacionados com a curta vida da pintora, ainda assim capaz de deixar mais de 750 quadros concluídos e muitos outros estudos e desenhos. Estava o século XIX quase a concluir-se, quando a futura artista aproveita uma pequena herança para estudar na comunidade artística de Worpswede, contrariando a vontade do pai, que desejaria vê-la bem casada ou, em alternativa, governanta numa boa casa burguesa, quiçá professora numa escola privada.
O professor que a orienta, Fritz Mackersen, não a satisfaz por desprezar o talento de quem se escusa à representação fiel da realidade de acordo com os preceitos mais convencionais do figurativismo. Ele até nem esconde o convencimento de não existir qualquer talento nas mulheres, que se disponham a ser artistas, encarando-lhes a ambição como desprezível capricho. Azar o seu por só lhe irem chegando jovens mulheres decididas a ali fazerem formação.
Paula torna-se amiga de Clara Westhoff que terá uma filha com Rainer Maria Rilke, mas não conseguirá melhor futuro que o de servir de assistente a Rodin. É quando o dinheiro está  a acabar, sem que o pai lhe financie a continuação dos estudos, que acede ao casamento com outro pintor de Worpswede, Otto Modersohn, cuja filha será a sua amada enteada.
Nos cinco anos seguintes são frequentes os embates estéticos entre Paula e Mackensen com Otto a protege-la mesmo sem compreender-lhe as opções artísticas vertidas para os quadros.
Frustrada como artista, mas ainda mais desiludida como mulher, porque Otto revela-se impotente, nunca concretizando sexualmente o casamento, Paula parte para Paris a expensas de Rilke, que imagina torná-la sua amante, sem contudo vir a ser mais do que um frustrado amigo. Nos meses seguintes ela prosseguirá a formação na Academia Colarossi vivendo pobremente graças aos retratos desenhados aos que se passeiam pelas ruas da cidade e ao dinheiro enviado irregularmente por Otto.
Em Worpswede ele é pressionado por Mackersen para que recorra à lei alemã e interne a mulher por lesar-lhe a reputação. Em vez de o fazer vai procura-la a Paris, aí compreendendo quanto artisticamente ela amadurecera e se revelara tocada pela genialidade.
Os conjugues reconciliam-se e até experimentam finalmente os prazeres carnais. Engravidando Paula vai cumprir ao mesmo tempo a previsão, que confidenciara a Clara - teria vida breve depois de concluir pelo menos três bons quadros - e o terror de Otto cuja impotência se explicava por temer a réplica em Paula do que sucedera anteriormente com Helena.
Precursora do expressionismo Paula Modersohn-Becker desaparecia aos 31 anos depois de enfrentar a sociedade patriarcal, que tanto a pretendera aperrear, e de viver plenamente o ambiente boémio e artístico da capital francesa do início do século XX. Do filme retém-se a fotografia outonal e os enquadramentos ajustados a um filme sobre pintura, mas revela-se paradoxal a abordagem académica sobre a vida e obra de uma vanguardista.

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