quinta-feira, junho 13, 2019

(DIM) «Os Olhos de Orson Welles» de Mark Cousins



Para os cinéfilos mais empedernidos torna-se obrigatória a ida ao Ideal Paraíso para ver «Os Olhos de Orson Welles», filme dirigido por Mark Cousins com o financiamento de Michael Moore.
Cousins é um notável realizador a quem devemos as 15 horas da História do Cinema mais estimulante dos últimos anos e foi ele quem teve o ensejo de contactar com a vasta obra artística do criador de «Citizen Kane» através da filha incumbida da gestão do seu espólio. São centenas de desenhos e ilustrações, que demonstram o talento multidisciplinar de um génio da criação cinematográfica, que sempre nos suscita a interrogação sobre que obras nos foram negadas pelos muitos produtores, que o impediram de concretizar os inúmeros projetos deixados nas gavetas.
Se contamos com  filmes sublimes - além do que figurou, anos a fio, como o melhor de sempre segundo respeitáveis painéis de críticos da sétima arte - também tivemos a oportunidade de apreciar os Magníficos Ambersons («O Quarto Mandamento), a lindíssima Rita Hayworth a propiciar-nos um duelo decisivo numa labiríntica sala de espelhos («A Dama de Xangai»), as dificuldades de um polícia mexicano para combater a terrível corrupção de uma cidade fronteiriça entre os dois países («A Sede do Mal») ou adaptações shakespearianas como mais ninguém se atreveu a conceber («Otelo», «Macbeth»).
Documentário quase hagiográfico, «Os Olhos de Orson Welles» permite-nos conhecê-lo ainda melhor desmentindo a ideia de já quase tudo sobre ele sabermos. Porque importa constatar a forma como escolhia planos e enquadramentos, que, diferentes dos canónicos, ganhavam inesperadas leituras. Ou como era capaz de contornar as maiores dificuldades - quase sempre relacionadas com a falta de dinheiro para levar as ideias até ao fim! - criando obras que, mesmo mutiladas e montadas à sua revelia, continham os elementos q.b. para as reconhecermos devedoras do seu estilo.
Existe, igualmente, o lado mais pessoal com esse feitio pantagruélico, obcecado por viver tão plenamente quanto lhe estivesse ao alcance.  Por isso adorava a boémia das noites regadas a muito álcool e com amigos, que se iam revezando a acompanhá-lo, por não haver quem aguentasse a sua transbordante energia. A mesma que o levava a acumular mulheres e amantes, quase sempre em simultâneo.
Porque havia que arranjar com que pudesse sustentar esse padrão de consumo, vimo-lo em anúncios publicitários e a atuar em filmes menores, quantas vezes sob a direção de tarimbeiros, a quem emprestava o corpo e a voz impressiva, mas sobretudo uma postura corporal, que tornava credível os mais odiosos vilões.
Embora nos parecesse já muito velho, foi com apenas 70 anos que a morte o levou. Mas se pensarmos noutros que lhe foram contemporâneos, não faltam exemplos de quem, por essa altura, apressou a visita da morte por ter fumado, bebido e fornicado desregradamente. Acrescentando-se, no seu caso, o incontrolável prazer da gula.
O filme de Cousins faculta-nos o reencontro com a sua desmedida personalidade.

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