Uma das frustrações retidas do passado marítimo é nunca ter tido a oportunidade de assistir in loco ao fenómeno das auroras boreais. Durante três anos passei o verão, mormente as suas semanas finais, no oceano ártico chegando a 82º Norte, mas era ainda demasiado cedo para que se despoletasse o prodigioso espetáculo visual proporcionado pelas partículas do vento solar a embater na camada mais elevada da atmosfera. O sol ainda perdurava teimosamente acima do horizonte não possibilitando os crepúsculos propícios ao fenómeno. Em outubro, quando a experiência seria viável, já o ciclo anual de viagens de cruzeiro com turistas nórdicos estava concluído e o «Funchal» navegava para outros destinos.
Uma hipótese perfeitamente possível para satisfazer a curiosidade é a de ver repetido o ocorrido nos últimos dias de agosto de 1859, quando uma enorme erupção de massa coronal conseguiu projetar-se a maior distância e causar efeitos inesperados no nosso planeta. Viram-se auroras boreais em Cuba e no Havai, as recém-instaladas linhas dos telégrafos chegaram a incendiar e os seus operadores sentiram choques elétricos ao enviarem mensagens premindo a respetiva chave.
O problema é que o breve agrado de ver o bailado de luzes nos céus teria por contraponto efeitos muito graves no nosso quotidiano: se há cento e sessenta anos o acontecimento - hoje conhecido como evento de Carrington por ser esse o nome de um dos primeiros astrónomos a identifica-lo e a estudá-lo - quase não afetou a vida de quem o presenciou, atualmente poderia pôr em causa todas as infraestruturas de distribuição de energia e o sistema de comunicações à escala planetária. Poderíamos subitamente transitar do nosso quotidiano tecnologicamente avançado para as condições de vida da sociedade pré-Revolução Industrial. Nesse sentido poderíamos replicar o receio dos gauleses da aldeia de Astérix, não porque temêssemos que o céu nos caísse em cima, mas por dele provir a profunda alteração do que nos garante as condições atuais de qualidade de vida. Em 2012, ano de atividade particularmente intensa, o vento solar só não nos afetou, porque, na sua órbita, a Terra se desviou do fluxo intenso expandido na sua direção, que nos passou oportunamente ao lado.
É para melhor conhecer os ciclos da atividade solar, que a NASA tem a sonda Parker Solar Probe a orbitar a estrela do nosso sistema planetário desde novembro transato. O objetivo é aprofundar o conhecimento da meteorologia solar de forma a tomar as medidas preventivas possíveis se erupções de inauditas dimensões se repetirem. E, como concluíram os astrónomos, que publicaram agora um estudo alusivo a fenómenos semelhantes em estrelas mais distantes e com as características do sol, elas são muito mais frequentes do que desejaríamos para que ficássemos mais tranquilos.
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